Decisão sobre troca do nome do campus da UFSC é adiada após pedido de vistas

13/06/2025 19:47

Auditório Garapuvu estava repleto para a sessão especial do Conselho Universitário nesta sexta-feira, 13, sobre a mudança do nome do campus na Trindade. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

A decisão sobre a alteração do nome do campus sede da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que seria deliberada durante a sessão especial do Conselho Universitário (CUn) nesta sexta-feira, 13 de junho, foi adiada após um pedido de vistas feito pelo conselheiro Alexandre D’Avila da Cunha, representante da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Sob forte pressão do público presente, a presidência teve que encerrar a sessão, em respeito ao regimento interno, transferindo a votação para a próxima reunião, marcada para terça-feira, 17 de junho. O encontro ocorreu no Auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, e foi transmitido ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A proposta de alteração do nome do campus, localizado no bairro Trindade, é baseada na sexta recomendação da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais da Comissão Memória e Verdade (CMV) da UFSC, que investigou a colaboração de membros da universidade com o regime militar. A CMV apontou que o ex-reitor João David Ferreira Lima teria contribuído com informações aos órgãos de repressão, resultando em perseguições a professores, estudantes e servidores durante a ditadura militar.

O tema vem sendo amplamente debatido desde a última sessão do dia 6 de junho, quando o Conselho Universitário aprovou, por ampla maioria, as 12 recomendações do relatório da CMV, rejeitando um pedido de impugnação apresentado pela advogada da família Ferreira Lima, Heloísa Blasi Rodrigues. Apesar das tentativas de deslegitimação do relatório por grupos externos, a proposta de renomeação foi mantida na pauta, gerando grande mobilização dentro e fora da Universidade.

A sessão desta sexta-feira teve novamente participação expressiva da comunidade universitária, do movimento estudantil e de representantes externos. Foram apresentados o parecer do conselheiro relator Hamilton de Godoy Wielewicki, além das manifestações da advogada da família Ferreira Lima e do professor Daniel Castelan, representante da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais.

Em seu parecer, o conselheiro Hamilton destacou que os documentos levantados pela CMV apontam “poucas dúvidas de que (e não se) houve comprometimento com a prática de graves violações de direitos humanos – ainda que por omissão, quando não por ação direta – por parte da administração central da universidade no período do golpe”. Ele elencou atos persecutórios como detenções, cerceamento da liberdade de expressão, delações e prejuízos profissionais, considerados evidências de graves violações. O parecer também enfatizou que a decisão deve ser tomada de forma ponderada, com base no conjunto probatório já analisado pelo Conselho Universitário. Wielewicki se manifestou favorável à alteração do Estatuto da UFSC, para que a sede da universidade passe a ser descrita apenas como “Campus Universitário localizado no Bairro Trindade, em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina”.

A advogada Heloísa Blasi Rodrigues, em defesa da manutenção do nome, afirmou que não há provas conclusivas contra o ex-reitor. Segundo ela, as ações atribuídas a João David Ferreira Lima ocorreram em um contexto de pressão autoritária, no qual ele também estaria submetido. “Os documentos apresentados pela CMV não são suficientes para comprovar tais acusações. Ele não tinha poder de polícia, tampouco promoveu perseguições. A decisão de renomear o campus fere a memória de alguém que dedicou sua vida à construção da universidade”, argumentou.

Por outro lado, o professor Daniel Castelan fez duras críticas à postura de João David Ferreira Lima durante o regime militar, apontando que sua colaboração com os órgãos de repressão contribuiu para silenciar a Universidade. Castelan destacou o uso de fichas biográficas para controle ideológico e exclusão de servidores públicos, além de mencionar episódios como a prisão e tortura de estudantes dentro da UFSC. “O cerne da universidade é a liberdade para expressar, é a liberdade para pensar. E ninguém pensa ou se expressa sob a mira das armas”, declarou. Ele também reforçou que a Universidade precisa revisitar seu passado de forma crítica e transparente, para construir um futuro ético e democrático.

A sessão contou ainda com relatos impactantes de familiares de vítimas da ditadura. José Rafael Mamigonian, filho do professor Armei Mamigonian, denunciou perseguições sofridas por seu pai que, segundo ele, foram documentadas em ofícios confidenciais enviados ao Serviço Nacional de Informações (SNI). “Essas ações persecutórias deixaram marcas profundas, afetaram famílias inteiras e determinaram o destino de muitas pessoas. Não se pode relativizar a colaboração com a ditadura”, afirmou.

Beatriz Galotti, neta do professor José do Patrocínio Galotti, também criticou a defesa de Ferreira Lima, mencionando que seu avô foi alvo direto da Comissão de Inquérito Interna, criada sob ordens do ex-reitor. “Os danos causados são incalculáveis, tanto para os envolvidos quanto para suas famílias e para a própria universidade. Não é aceitável minimizar essas consequências históricas”, declarou.

Diante do pedido de vistas realizado por um representante do Conselho Universitário, a sessão foi suspensa e será retomada na próxima terça-feira, 17 de junho. O adiamento prolonga a expectativa de grande parte da comunidade universitária, que aguarda pela deliberação de tema tão relevante e sensível para a história e o futuro da universidade.

 

Rosiani Bion de Almeida / Secom UFSC
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Fotos: Gustavo Diehl / Agecom UFSC

 

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Sessão histórica: Conselho Universitário decide pelo caminho da memória e reparação

06/06/2025 18:10

Conselho Universitário retoma discussões sobre o relatório final da CMV-UFSC. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

As duas primeiras pautas da sessão ordinária do Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizada na tarde desta sexta-feira, 6 de junho, retomaram as discussões sobre o relatório final da Comissão Memória e Verdade (CMV). A reunião, considerada histórica para a instituição, ocorreu no Auditório da Reitoria e contou com ampla participação da comunidade, interna e externa, além de ser transmitida ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A controvérsia em torno do relatório da CMV segue como um dos debates mais sensíveis da história recente da UFSC, envolvendo memória, reparação e o papel da Universidade durante o regime autoritário. Criada em 2014, a CMV tinha como objetivo investigar violações de direitos humanos ocorridas na instituição durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Ao longo de quatro anos, a Comissão analisou mais de 1.500 documentos históricos, coletou depoimentos de vítimas e testemunhas, e promoveu audiências públicas. Em 2018, apresentou um relatório final com 12 recomendações, incluindo a reavaliação de homenagens a figuras ligadas a denúncias e perseguições no período. O documento foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário à época.

A sessão desta sexta-feira deveria ter ocorrido em 30 de maio, mas foi adiada após decisão judicial liminar (Mandado de Segurança nº 5018339-27.2025.4.047200/SC), impetrada pela família Ferreira Lima contra a UFSC. A liminar determinou que a Universidade “se abstenha de deliberar ou praticar qualquer ato que importe na revogação das homenagens conferidas ao ex-reitor João David Ferreira Lima — especialmente quanto à alteração do nome do campus universitário — até que haja decisão expressa e definitiva do Conselho Universitário sobre a impugnação apresentada no Processo nº 23080.000600/2023-25”.

Primeira decisão

O primeiro item da pauta foi a análise do processo nº 23080.000600/2023-25, que trata do pedido de impugnação ao relatório final da CMV apresentado pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, representante da família Ferreira Lima. A petição alega que o relatório atribuiu “fatos e juízos de valor lesivos à honra e à memória do ex-Reitor João David Ferreira Lima”, sem observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do direito de resposta proporcional ao agravo. A relatoria ficou sob responsabilidade do conselheiro Ubirajara Franco Moreno.

Em seu parecer, o conselheiro relator argumentou que o pedido configura um legítimo exercício do direito de petição, garantido pela Constituição Federal, e que cabe ao Conselho Universitário deliberar sobre o caso, já que a CMV foi instituída por esse órgão. No entanto, concluiu que o relatório final da Comissão possui “natureza eminentemente histórica e memorialística, voltada à reconstrução da memória institucional e à promoção do direito à verdade histórica”, e que o documento “não gera efeitos jurídicos concretos que possam ser anulados ou reformados mediante impugnação administrativa”, dado que suas atividades “não têm caráter jurisdicional ou persecutório, mas sim esclarecedor”.

Advogada da família Ferreira Lima, Heloísa Blasi, participou da sessão do CUn

Apesar disso, o parecer acolheu duas demandas apresentadas na petição. A primeira é a recomendação para que a obra “UFSC: Em Nome da Verdade”, de autoria de Heloísa Blasi Rodrigues, seja disponibilizada no Instituto Memória e Direitos Humanos e na Biblioteca Universitária, garantindo “amplo acesso à comunidade acadêmica”. A segunda é a limitação do escopo de atuação da CMV ao período estabelecido pela Lei nº 12.528/2011 — de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Segundo o conselheiro, “questões relativas à aquisição da Casa da Rua Bocaiúva e eventuais controvérsias entre os professores João David Ferreira Lima e Henrique da Silva Fontes não guardam relação com violações de direitos humanos” e, portanto, não devem ser consideradas nos trabalhos da Comissão.

Quanto à retirada de homenagens ao ex-Reitor, incluindo a alteração do nome do campus da Trindade, o conselheiro destacou que tal decisão deve ser tomada “exclusivamente mediante decisão do Conselho Universitário, em processo administrativo próprio, com a garantia do contraditório, da ampla defesa e da oitiva da família do homenageado, devidamente representada por sua procuradora”. Ele também solicitou “a averiguação e apuração de responsabilidades pela dilação na resposta à petição encaminhada”, dado o caráter preventivo do pedido e a idade avançada do requerente.

Por fim, o parecer acolheu a recomendação para a elaboração de uma resolução específica que regulamente a preservação da memória institucional e a proteção da comunidade universitária contra violações de direitos humanos. Segundo Ubirajara, essa medida “visa fortalecer os compromissos institucionais da UFSC com a promoção da verdade, da memória e da defesa dos direitos fundamentais”. Após os debates, o parecer foi aprovado por maioria, com apenas um voto contrário.

Segunda decisão

O segundo item da pauta tratou do processo nº 23080.018179/2024-90, de autoria de Daniel Ricardo Castelan, que aborda os encaminhamentos das recomendações do relatório final da CMV. Nesse caso, além do parecer do conselheiro Ubirajara Franco Moreno, os conselheiros Alex Degan e Amanda Zamboni apresentaram um parecer conjunto como relatores de vista.

Os conselheiros Alex e Amanda concordaram integralmente com as Recomendações 1, 2, 3, 4, 7, 10, 11 e 12, que incluem ações como a ampliação dos acervos históricos da UFSC, a criação de um programa de extensão sobre memória e direitos humanos, e a recuperação do edifício do Centro de Convivência, sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Eles recomendaram que a UFSC “apresente, ainda no tempo da atual gestão, um plano para recuperação do edifício”.

Sobre a Recomendação 8, que propõe a reabertura de casos revelados pelo relatório, os conselheiros reconheceram as limitações jurídicas apontadas no parecer original. Eles reforçaram que a UFSC deve “colaborar ativamente, uma vez provocada judicialmente, com indivíduos e instituições que mobilizem aparato jurídico em torno de casos e histórias revelados pelo relatório” e facilitar o acesso a documentos relevantes para pesquisadores.

A Recomendação 6, que trata da reavaliação de homenagens, recebeu especial atenção. Os conselheiros sugeriram que a alteração do nome do Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima seja deliberada em uma sessão especial do CUn, no prazo de até uma semana, respeitando o Artigo 17º do Estatuto da UFSC, que exige “a aprovação por três quintos do total de seus membros”. Eles enfatizaram que o escrutínio deve ser por voto aberto, como na concessão do nome atual.

Os conselheiros destacaram a relevância pedagógica do debate, citando Theodor Adorno: “Não se pode simplesmente esquecer o que passou. É necessário esclarecer os motivos que tornaram a barbárie algo realizável”. Para Alex e Amanda, a UFSC assumiu seu papel educativo ao promover o debate, alinhando-se às reflexões de Adorno e Walter Benjamin, que defendem o uso da memória coletiva como ferramenta de transformação social.

O relator Ubirajara manifestou concordância com o parecer de vista, especialmente sobre a realização de uma sessão exclusiva para tratar da mudança do nome do campus. Ele esclareceu que a atribuição do nome ao campus foi feita como uma alteração do estatuto, e não em uma categoria formal de “homenagem”, o que reforça a proposta de tratá-la como uma reforma estatutária. Diante da concordância, o relator se dispôs a retirar seu parecer original para que fosse votado o de vista.

Ao final da discussão, o parecer de vista conjunto foi aprovado por maioria, com apenas dois votos contrários. Esta decisão estabeleceu que a votação sobre a alteração do nome do campus-sede da UFSC ocorrerá, em sessão especial, na próxima semana.

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UFSC na mídia: a polêmica que envolve o nome do campus central da Universidade

08/05/2025 14:44

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está no centro de um debate importante. A atual denominação do campus central, Reitor João David Ferreira Lima, poderá ser alterada após decisão do Conselho Universitário em aprovar as recomendações da Comissão Memória e Verdade (CMV) da instituição. Criada em 2014, a CMV tem o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas na UFSC durante a ditadura civil-militar (1964-1985).

Os professores da UFSC, Daniel Castelan e Luana Heinen, falaram sobre o assunto em entrevista ao Portal Desacato, no dia 7 de maio. Ambos destacaram a relevância histórica e política da recomendação de retirar o nome do campus, que homenageia o primeiro reitor da Universidade, João David Ferreira Lima, apontado por documentos revelados pela CMV como colaborador do regime militar.

Segundo Castelan, que também é presidente da Comissão para a Implementação das Recomendações do Relatório Memória e Verdade da UFSC, a proposta de renomear o campus é resultado de anos de trabalho intenso de pesquisa e investigação. Ele explicou que a CMV analisou cerca de 1.500 documentos obtidos a partir da Lei de Acesso à Informação (2011) e do Arquivo Nacional, os quais demonstraram a colaboração de João David Ferreira Lima com setores de repressão da ditadura. “Esses trabalhos indicaram que havia comunicações diretas e constantes entre o ex-reitor e sua equipe” com esses órgãos militares que causaram danos à comunidade universitária, afirmou Daniel.

Entre as 12 recomendações apresentadas pela CMV e aprovadas em 2018 pelo Conselho Universitário, uma em particular previa a revisão de homenagens a pessoas que colaboraram com o regime militar. Daniel destacou que a retirada do nome do campus é uma medida que visa reparar historicamente as violências praticadas e reafirmar o compromisso da universidade com os direitos humanos.

Já a professora Luana Heinen, doutora em Direito e coordenadora do Observatório dos Direitos Humanos, reforçou a importância do direito à memória e ao debate público sobre o passado autoritário do Brasil. A docente destacou que o “direito à memória é um direito humano fundamental” e que a falta de enfrentamento adequado dos crimes cometidos durante a ditadura impede avanços mais sólidos na defesa da democracia.

Luana também comentou sobre a responsabilidade da administração pública em revisar atos que, à luz de novas evidências, se mostram incompatíveis com os valores democráticos. “Quando o Conselho Universitário aprovou a homenagem em 2003, não havia acesso aos documentos que temos hoje. Agora, com as provas reveladas pela CMV, é possível e necessário rever essa decisão”, destacou.

A entrevista também abordou as dificuldades enfrentadas pela sociedade brasileira em lidar com o passado ditatorial. Segundo os professores, o silêncio e a negação de atos cometidos durante a ditadura contribuem para a manutenção de estruturas autoritárias. “Esse debate não é apenas sobre o passado, mas também sobre o que queremos para o futuro” e um alerta para os futuros dirigentes e agentes públicos sobre a importância de respeitar os direitos humanos e agir com responsabilidade, enfatizou Luana.

A decisão final sobre a alteração do nome do campus será tomada pelo Conselho Universitário, que representa a comunidade acadêmica de forma democrática. Para os professores, essa é uma oportunidade única de a UFSC afirmar seu compromisso com a verdade histórica, a memória e a justiça. Por ser um patrimônio público, “a sociedade deve se orgulhar que a universidade tenha tido a coragem de dar esse passo, de enfrentar esse passado, de trazê-lo a público, de mostrar para a sociedade catarinense e dar esse passo que as famílias merecem, que é um pedido formal de desculpa”, concluiu Daniel.

A entrevista completa está disponível link.

 

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Conselho Universitário retoma discussão sobre a Comissão Memória e Verdade da UFSC

06/05/2025 18:27

Continuidade da discussão sobre as recomendações da CMV-UFSC ocorreu novamente no Auditório da Reitoria. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) retomou, nesta terça-feira, 6 de maio, as discussões sobre o trabalho da Comissão Memória e Verdade (CMV) da instituição, em uma sessão extraordinária e aberta à comunidade em geral. A reunião ocorreu novamente no Auditório da Reitoria e foi transmitida ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A continuidade do debate foi necessária devido à grande mobilização da comunidade universitária em torno do assunto, que envolve a reavaliação de homenagens a pessoas relacionadas à ditadura civil-militar (1964-1985). A pauta gerou manifestações intensas durante a última sessão do Conselho Universitário, ocorrida no dia 29 de abril. Servidores técnicos e professores, e estudantes têm se posicionado majoritariamente a favor da retirada do nome de João David Ferreira Lima, ex-reitor da UFSC, do campus-sede da instituição, enquanto familiares do homenageado defendem a permanência da honraria.

A Comissão Memória e Verdade foi instituída em 2014 com o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas na UFSC durante o período da ditadura. Após quatro anos de trabalho, a CMV apresentou seu relatório final em 2018, contendo 12 recomendações, entre elas a reavaliação de homenagens a pessoas que participaram de perseguições e denunciações. O relatório, que revelou documentos e depoimentos sobre colaborações com o regime militar, foi aprovado por unanimidade pelo CUn.
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Conselho Universitário analisa parecer sobre trabalho da Comissão Memória e Verdade da UFSC

29/04/2025 20:50

A sessão foi aberta ao público e direcionada ao Auditório da Reitoria. Foto: Agecom/UFSC

O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) analisou, em sessão realizada na tarde desta terça-feira, 29 de abril, parecer referente ao trabalho da Comissão Memória e Verdade (CMV) da instituição. Criada em 2014, a CMV foi instituída com o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas na UFSC durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O referido parecer foi elaborado pelo conselheiro Ubirajara Franco Moreno e, devido à relevância dos temas tratados, a reunião foi transferida da Sala dos Conselhos para o Auditório da Reitoria, após decisão coletiva de torná-la aberta ao público.

O documento foi embasado por dois processos: (23080.018179/2024-90) um relativo ao encaminhamento das recomendações da CMV, e outro (23080.000600/2023-25) que trata de um pedido de impugnação do Relatório Final da Comissão, o qual foi apresentado pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, em nome da família do ex-reitor João David Ferreira Lima. Neste caso específico, adianta-se que o relator manifestou-se pelo não acolhimento da impugnação.

Advogada Heloísa Blasi Rodrigues falou sobre o processo na sessão. Foto: Agecom/UFSC

A impugnação alegava que o relatório violava os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, apontando, entre outros itens, acusações de corrupção, generalizações sobre a atuação do ex-reitor e críticas à compra de um imóvel pela UFSC. Apesar de ter sido reconhecida a legitimidade do pedido como exercício de direito constitucional, o parecer reiterou que o Relatório Final da CMV não configura ato administrativo passível de impugnação, dado seu caráter exclusivamente histórico e memorialístico.

O parecer destacou ainda que as comissões de verdade, regulamentadas pela Lei nº 12.528/2011, têm como objetivo esclarecer violações de direitos humanos e promover a reconstrução da memória histórica, sem efeitos jurídicos sancionatórios. No entanto, dois encaminhamentos foram propostos favoráveis aos impugnantes: que a petição receba publicidade equivalente à do Relatório Final, sem custos para a parte requerente, e que decisões sobre a retirada de homenagens ao ex-reitor sejam tomadas por meio de processo administrativo específico, e participação da família Ferreira Lima.

A Comissão de Encaminhamento das Recomendações (CER), criada em 2023 para implementar as medidas sugeridas no Relatório Final da CMV, corroborou o entendimento de que o material é histórico e não deve ser impugnado. Entretanto, sugeriu a exclusão de fatos anteriores a 1964 e recomendou a incorporação do acervo histórico do ex-professor Aluízio Blasi ao Arquivo Central da UFSC, para torná-lo acessível à pesquisa.

O parecer foi elaborado pelo conselheiro Ubirajara Franco Moreno. Foto: Agecom/UFSC

Em relação às homenagens, a CER manifestou-se favoravelmente à revogação do nome do campus Florianópolis, no bairro Trindade, com base nas evidências contidas no Relatório Final. O parecer de responsabilidade do professor José Isaac Pilati, reforçou que alterações em homenagens devem ser regulamentadas e deliberadas em processos específicos, com a participação da família do homenageado. Além disso, sugeriu a elaboração de uma resolução para normatizar o assunto.

A reavaliação das homenagens concedidas a figuras envolvidas em perseguições políticas no período da ditadura tem sido um dos temas mais sensíveis e gerado controvérsias. O parecer sugere que essa regulamentação seja incorporada ao Estatuto da UFSC, estabelecendo critérios claros para futuras deliberações.

As 12 recomendações apresentadas pela CMV foram elencadas pelo parecerista, além dos encaminhamentos propostos pela CER. Entre as iniciativas propostas, destacam-se a manutenção de acervos históricos, a criação de um programa de extensão voltado à memória e aos direitos humanos, a conclusão de um documentário sobre a UFSC durante a ditadura e a realização de uma Sessão Solene de desagravo a perseguidos políticos. Algumas medidas, como a publicação do livro Memórias Reveladas da UFSC durante a Ditadura Civil-Militar e a criação do Acervo Memória e Direitos Humanos, já foram parcialmente implementadas. Outras, como a construção de um memorial, ainda aguardam definições.

Para a proposta de criação de uma “Casa da Memória”, voltada para atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre direitos humanos, recomendou-se que a iniciativa seja articulada com o Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH) da UFSC, evitando duplicidade de esforços. Adicionalmente, foi sugerido o fortalecimento do Serviço Especializado de Atendimento às Vítimas de Violência (SEAVi), com programas inspirados nas “Clínicas do Testemunho”, para acolher vítimas de violações de direitos humanos e promover reparação simbólica.

O relator registrou em seu parecer que “não basta registrar fatos passados; é necessário compreender os processos e as escolhas que possibilitaram as violações, de modo que a memória crítica atue como salvaguarda contra a repetição dos erros. Portanto, a investigação da responsabilidade coletiva da UFSC não pode ser entendida como um mero ajuste de contas com o passado, mas como um exercício vital de fortalecimento institucional e de compromisso com a democracia, a liberdade acadêmica e os direitos humanos”.

Após a leitura do parecer, a sessão foi aberta para a fala dos inscritos. Estudantes e servidores técnicos e docentes puderam participar deste momento histórico para a Universidade, bem como a advogada Heloísa Blasi. Diante da impossibilidade de encerrar o assunto na sessão deste dia, o reitor anunciou que será marcado uma nova data, de forma extraordinária.

Assista a sessão na íntegra:

Leia mais: Conselho Universitário analisa mudança de nome do campus da UFSC em Florianópolis

Rosiani Bion de Almeida / SECOM
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