Decisão coletiva e histórica: UFSC exerce sua autonomia e altera o nome do campus na Trindade

17/06/2025 18:33

O reitor e presidente do CUn, Irineu Manoel de Souza, abriu a sessão especial sobre a alteração do nome do campus sede da UFSC. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

“Aprovado por 56 votos favoráveis a alteração do nome do campus”. O anúncio do resultado final da votação do Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se mesclou ao som das manifestações e aplausos dos participantes da sessão especial, que ao concluir este processo, comemoraram e se emocionaram com a decisão coletiva e histórica da instituição.

O momento foi concretizado na tarde desta terça-feira, 17 de junho, no Auditório Garapuvu do Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, com transmissão ao vivo pelo canal do CUn no YouTube. A decisão final, originalmente prevista para a última sexta-feira, 13 de junho, foi adiada após um pedido de vistas, aumentando as expectativas do público interno e externo à Universidade em torno da sessão de hoje. Para que essa alteração fosse aprovada, foi determinado pelo CUn o regime de voto aberto e quórum qualificado de três quintos dos membros.

O conselheiro-relator, Hamilton de Godoy Wielewicki, reiterou os trechos finais do seu parecer antes da votação

Antes da votação, os trechos finais do parecer aprovado foram apresentados pelo conselheiro Hamilton de Godoy Wielewicki, que destacou a importância de uma decisão fundamentada e ponderada, baseada nas evidências reunidas pela Comissão Memória e Verdade (CMV-UFSC). O parecer apontou que o ex-reitor João David Ferreira Lima, homenageado no nome do campus, teve sua trajetória associada a situações que configuraram graves ameaças aos direitos humanos durante o regime militar brasileiro (1964-1985). O relator defendeu a mudança e sugeriu a seguinte redação para o Estatuto da UFSC: “Art. 1º A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autarquia de regime especial vinculada ao Ministério da Educação (Lei nº 3.849, de 18 de dezembro de 1960 – Decreto nº 64.824, de 15 de julho de 1969), é uma instituição de ensino superior e pesquisa, multicampi, com sede no Campus Universitário localizado no Bairro Trindade, em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina”.

A sessão foi marcada novamente pela ampla participação de movimentos estudantis, servidores técnicos e docentes, e a comunidade externa, evidenciando o impacto e a relevância do tema. O debate gerou intensas discussões dentro e fora da academia, com manifestações de apoio à mudança e críticas de setores que questionaram a revisão histórica conduzida pela UFSC. O reitor Irineu Manoel de Souza, presidente do Conselho Universitário, abriu os trabalhos estabelecendo as regras para o funcionamento da sessão, como a proibição de novos pedidos de vistas, com o objetivo de evitar mais adiamentos. Esta foi a quarta reunião do Conselho dedicada às discussões relacionadas às conclusões da Comissão Memória e Verdade (CMV), criada para investigar e propor ações sobre eventos ligados ao período da ditadura militar.

A proposta de alteração do nome do campus, que atualmente homenageia o ex-reitor João David Ferreira Lima, origina-se da sexta recomendação da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais (CER), aprovada com base no relatório da CMV-UFSC. Das 12 recomendações aprovadas, a de número 6 propõe revisar homenagens a personalidades que, de alguma forma, colaboraram com o regime militar.

O posicionamento do Conselho Universitário sobre este debate evidenciou questões fundamentais sobre o papel da memória histórica e da autonomia universitária. O processo representou um marco na história da UFSC, reafirmando seu compromisso com a democracia, os direitos humanos e a preservação de sua identidade institucional.

Parecer de vistas

O representante da Fiesc, Alexandre D’Avila da Cunha, apresentou o parecer de vistas

O primeiro a se apresentar na sessão foi o conselheiro e parecerista de vistas, Alexandre D’Avila da Cunha, que representa a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Em seu parecer, apresentou sua análise sobre os atos relacionados à gestão de Ferreira Lima durante o período da ditadura militar. Ele argumentou que a CMV teria interpretado os fatos com o que chamou de uma “lente distorcida”, desconsiderando o contexto histórico e as pressões impostas pela ditadura. Segundo Cunha, o regime militar, com medidas como o Ato Institucional nº 1 (AI-1) e a Portaria Ministerial nº 259, impôs severas restrições às instituições públicas e obrigou servidores e gestores a se submeterem a ordens arbitrárias. Nesse sentido, o conselheiro defendeu que não há provas concretas de que Ferreira Lima tenha colaborado ativamente com perseguições ou denúncias, como sugerido pelo relatório.

O parecer elencou eventos e documentos relacionados à atuação de Ferreira Lima, destacando que a Comissão de Inquérito de 1964, criada pelo reitor em exercício Luiz Osvaldo D’Acâmpora, atuou de forma independente, sem interferência de Ferreira Lima. O conselheiro também mencionou o Ofício 863/64, escrito por Ferreira Lima durante sua licença, que interpretou como uma defesa de sua honra e reputação. Já o Ofício 875/64, no qual o ex-reitor respondeu ao Governo informando nomes de dirigentes estudantis ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE), foi explicado como uma obrigação funcional imposta pelo AI-1, sob pena de demissão. Outros episódios, como a participação institucional do reitor na comemoração do golpe militar de 1964 e o caso do professor José do Patrocínio Gallotti, foram apresentados como ações realizadas sob o contexto de pressões do regime.

Diante dessas argumentações, o conselheiro votou pela manutenção do nome do campus-sede como “Reitor João David Ferreira Lima”. Contudo, caso sua posição não fosse aceita, propôs a realização de uma consulta pública para ampliar o debate e ouvir a manifestação de toda a comunidade interessada. Durante a apresentação, ele também reconheceu que a ditadura militar foi “o pior período da história de nosso país”, marcado por “barbaridades” e “marcas profundas”, mas defendeu que as ações de Ferreira Lima devem ser analisadas à luz das circunstâncias da época.

Parecer que deu origem ao pedido de vistas

A sessão extraordinária realizada em 13 de junho foi marcada por intensos debates e contou com um plano de segurança específico, que incluiu reforço na segurança e controle de acesso, identificação obrigatória dos presentes, restrição à entrada com instrumentos musicais e definição prévia do tempo de fala, aprovado no início dos trabalhos. O ponto central do debate foi o parecer do relator, Hamilton Godoy Wielewicki, favorável à alteração da homenagem ao ex-reitor João David Ferreira Lima, contrapondo-se à defesa da família do homenageado, representada pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, que contestou as acusações e defendeu sua memória. Além disso, a sessão incluiu falas de ex-reitores, familiares de vítimas de perseguição e conselheiros, que se posicionaram sobre o tema ressaltando a importância da democracia, da justiça social e da preservação da memória institucional. Uma das principais controvérsias da reunião girou em torno de um pedido de vistas regimental, que acabou sendo acatado pela presidência do Conselho, o que adiou a votação para o dia de hoje.

O relator abriu sua apresentação explicando que a base do processo está na Resolução 16/2025 do Conselho Universitário, que aprovou a recomendação nº 6 da CMV. Ele destacou que a nominação ou denominação de espaços públicos é uma prerrogativa exclusiva da instituição e que não há impedimentos legais para alterações nesse sentido. Sua posição foi fundamentada na recomendação da Comissão Nacional da Verdade, que indicou a necessidade de retirar honrarias e alterar denominações vinculadas a figuras envolvidas em graves violações de direitos humanos. De acordo com o relator, a CMV identificou conexões entre setores militares e policiais e a administração universitária durante o período da ditadura, além de apontar que o ex-reitor estaria envolvido em práticas de espionagem, censura, repressão e controle ideológico.

O relator também analisou documentos enviados pela advogada da família do ex-reitor, Heloísa Blasi Rodrigues, que buscava esclarecer alguns pontos e garantir uma apreciação mais ampla do caso. Embora reconhecesse que as declarações da defesa apresentavam um contraditório, ele criticou a tentativa de relativizar fatos históricos, como a alegação de que “não há documento que determine ou force a exoneração do professor Henrique Stodieck”. Wielewicki argumentou que, à época, a legalidade era regida pelo AI-5 e que o uso de ofícios institucionais não configurava uma ação pessoal do reitor. Ao final de sua apresentação, o relator declarou-se favorável à alteração do nome do campus, com base nas evidências reunidas pela CMV e nas recomendações já aprovadas anteriormente pelo Conselho Universitário.

A advogada da família do homenageado utilizou seu tempo para contestar o parecer do relator. Ela afirmou que o relatório final da Comissão da Memória e Verdade deveria ser questionado e alegou que os documentos usados pela CMV eram inconsistentes, destacando que alguns não foram assinados pelo ex-reitor, outros eram meramente internos e alguns apenas comunicavam ciência às autoridades militares. A advogada argumentou ainda que, no inquérito instaurado pelo AI-1, ninguém foi punido, demitido ou expulso, mencionando depoimentos de funcionários que reforçavam a ausência de perseguições diretas por parte do ex-reitor.

O presidente da CER, professor Daniel Castelan, também fez uma manifestação, na qual parabenizou o Conselho por estar disposto a ouvir as vítimas e ressaltou a importância de buscar justiça e reparação histórica. O docente defendeu o papel da universidade na preservação da democracia e da memória institucional. Ele rebateu a alegação da advogada sobre o desaparecimento do parecer da Comissão do AI-1, afirmando que tal documento não foi extraviado e que o relatório geral da Comissão de Inquérito de 1964 admite ter recebido visitas de órgãos militares para coleta de informações, o que de fato ocorreu. Castelan argumentou que o ex-reitor colaborou voluntariamente com o regime militar, fornecendo informações sistemáticas que serviram ao aparato repressivo. Em sua conclusão, afirmou que a UFSC não deveria perpetuar a homenagem a uma figura que colaborou com forças repressoras, destacando que o ex-reitor, ao agir dessa forma, comprometeu a liberdade de expressão e “calou a universidade”.

A sessão também concedeu espaço à participação de familiares e vítimas de perseguição. O ex-reitor Antônio Diomário de Queiroz defendeu o legado de João David Ferreira Lima, relembrando as homenagens feitas ao ex-reitor, como a menção honrosa de 1995 e a instalação de seu busto, pedindo ao Conselho ponderação na decisão. Beatriz Galotti, neta do professor José do Patrocínio Galotti, leu trechos do interrogatório de seu avô em 1964, destacando o sofrimento enfrentado por sua família e repudiando o uso do caso pela defesa do ex-reitor. Para ela, minimizar as consequências da perseguição sofrida por seu avô e por tantas outras vítimas é inaceitável. José Rafael Mamigonian, filho do professor Armen Mamigonian, apresentou documentos que comprovam denúncias feitas pelo ex-reitor contra seu pai e estudantes aos órgãos de repressão. Ele questionou se não seria grave o fato de um reitor denunciar professores e alunos ao aparato militar e afirmou que a negação desses fatos históricos é um insulto às vítimas da ditadura. Concluiu sua fala ressaltando que não se pode relativizar a colaboração com o regime.

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Decisão sobre troca do nome do campus da UFSC é adiada após pedido de vistas

13/06/2025 19:47

Auditório Garapuvu estava repleto para a sessão especial do Conselho Universitário nesta sexta-feira, 13, sobre a mudança do nome do campus na Trindade. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

A decisão sobre a alteração do nome do campus sede da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que seria deliberada durante a sessão especial do Conselho Universitário (CUn) nesta sexta-feira, 13 de junho, foi adiada após um pedido de vistas feito pelo conselheiro Alexandre D’Avila da Cunha, representante da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Sob forte pressão do público presente, a presidência teve que encerrar a sessão, em respeito ao regimento interno, transferindo a votação para a próxima reunião, marcada para terça-feira, 17 de junho. O encontro ocorreu no Auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, e foi transmitido ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A proposta de alteração do nome do campus, localizado no bairro Trindade, é baseada na sexta recomendação da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais da Comissão Memória e Verdade (CMV) da UFSC, que investigou a colaboração de membros da universidade com o regime militar. A CMV apontou que o ex-reitor João David Ferreira Lima teria contribuído com informações aos órgãos de repressão, resultando em perseguições a professores, estudantes e servidores durante a ditadura militar.

O tema vem sendo amplamente debatido desde a última sessão do dia 6 de junho, quando o Conselho Universitário aprovou, por ampla maioria, as 12 recomendações do relatório da CMV, rejeitando um pedido de impugnação apresentado pela advogada da família Ferreira Lima, Heloísa Blasi Rodrigues. Apesar das tentativas de deslegitimação do relatório por grupos externos, a proposta de renomeação foi mantida na pauta, gerando grande mobilização dentro e fora da Universidade.

A sessão desta sexta-feira teve novamente participação expressiva da comunidade universitária, do movimento estudantil e de representantes externos. Foram apresentados o parecer do conselheiro relator Hamilton de Godoy Wielewicki, além das manifestações da advogada da família Ferreira Lima e do professor Daniel Castelan, representante da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais.

Em seu parecer, o conselheiro Hamilton destacou que os documentos levantados pela CMV apontam “poucas dúvidas de que (e não se) houve comprometimento com a prática de graves violações de direitos humanos – ainda que por omissão, quando não por ação direta – por parte da administração central da universidade no período do golpe”. Ele elencou atos persecutórios como detenções, cerceamento da liberdade de expressão, delações e prejuízos profissionais, considerados evidências de graves violações. O parecer também enfatizou que a decisão deve ser tomada de forma ponderada, com base no conjunto probatório já analisado pelo Conselho Universitário. Wielewicki se manifestou favorável à alteração do Estatuto da UFSC, para que a sede da universidade passe a ser descrita apenas como “Campus Universitário localizado no Bairro Trindade, em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina”.

A advogada Heloísa Blasi Rodrigues, em defesa da manutenção do nome, afirmou que não há provas conclusivas contra o ex-reitor. Segundo ela, as ações atribuídas a João David Ferreira Lima ocorreram em um contexto de pressão autoritária, no qual ele também estaria submetido. “Os documentos apresentados pela CMV não são suficientes para comprovar tais acusações. Ele não tinha poder de polícia, tampouco promoveu perseguições. A decisão de renomear o campus fere a memória de alguém que dedicou sua vida à construção da universidade”, argumentou.

Por outro lado, o professor Daniel Castelan fez duras críticas à postura de João David Ferreira Lima durante o regime militar, apontando que sua colaboração com os órgãos de repressão contribuiu para silenciar a Universidade. Castelan destacou o uso de fichas biográficas para controle ideológico e exclusão de servidores públicos, além de mencionar episódios como a prisão e tortura de estudantes dentro da UFSC. “O cerne da universidade é a liberdade para expressar, é a liberdade para pensar. E ninguém pensa ou se expressa sob a mira das armas”, declarou. Ele também reforçou que a Universidade precisa revisitar seu passado de forma crítica e transparente, para construir um futuro ético e democrático.

A sessão contou ainda com relatos impactantes de familiares de vítimas da ditadura. José Rafael Mamigonian, filho do professor Armei Mamigonian, denunciou perseguições sofridas por seu pai que, segundo ele, foram documentadas em ofícios confidenciais enviados ao Serviço Nacional de Informações (SNI). “Essas ações persecutórias deixaram marcas profundas, afetaram famílias inteiras e determinaram o destino de muitas pessoas. Não se pode relativizar a colaboração com a ditadura”, afirmou.

Beatriz Galotti, neta do professor José do Patrocínio Galotti, também criticou a defesa de Ferreira Lima, mencionando que seu avô foi alvo direto da Comissão de Inquérito Interna, criada sob ordens do ex-reitor. “Os danos causados são incalculáveis, tanto para os envolvidos quanto para suas famílias e para a própria universidade. Não é aceitável minimizar essas consequências históricas”, declarou.

Diante do pedido de vistas realizado por um representante do Conselho Universitário, a sessão foi suspensa e será retomada na próxima terça-feira, 17 de junho. O adiamento prolonga a expectativa de grande parte da comunidade universitária, que aguarda pela deliberação de tema tão relevante e sensível para a história e o futuro da universidade.

 

Rosiani Bion de Almeida / Secom UFSC
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Fotos: Gustavo Diehl / Agecom UFSC

 

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Conselho aprecia nesta sexta-feira proposta de alteração do nome do campus da Trindade

11/06/2025 16:19

O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realiza nesta sexta-feira, 13 de junho, a partir das 14h, sessão especial para apreciar a recomendação de alteração do nome do Campus de Florianópolis, situado no bairro Trindade.

A sessão será realizada em formato híbrido. A parte presencial terá acesso aberto à comunidade universitária, no Auditório Garapuvu, do Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. A parte on-line será realizada via webconferência da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Haverá transmissão ao vivo pelo canal do CUn no YouTube.

A proposta de alteração do nome do Campus Reitor João David Ferreira Lima tem origem na recomendação número 6 do parecer da Comissão para Encaminhamento das Recomendações Finais da Comissão Memória e Verdade da UFSC. A votação será com quórum qualificado de três quintos dos membros e regime de voto aberto.

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Sessão histórica: Conselho Universitário decide pelo caminho da memória e reparação

06/06/2025 18:10

Conselho Universitário retoma discussões sobre o relatório final da CMV-UFSC. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

As duas primeiras pautas da sessão ordinária do Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizada na tarde desta sexta-feira, 6 de junho, retomaram as discussões sobre o relatório final da Comissão Memória e Verdade (CMV). A reunião, considerada histórica para a instituição, ocorreu no Auditório da Reitoria e contou com ampla participação da comunidade, interna e externa, além de ser transmitida ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A controvérsia em torno do relatório da CMV segue como um dos debates mais sensíveis da história recente da UFSC, envolvendo memória, reparação e o papel da Universidade durante o regime autoritário. Criada em 2014, a CMV tinha como objetivo investigar violações de direitos humanos ocorridas na instituição durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Ao longo de quatro anos, a Comissão analisou mais de 1.500 documentos históricos, coletou depoimentos de vítimas e testemunhas, e promoveu audiências públicas. Em 2018, apresentou um relatório final com 12 recomendações, incluindo a reavaliação de homenagens a figuras ligadas a denúncias e perseguições no período. O documento foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário à época.

A sessão desta sexta-feira deveria ter ocorrido em 30 de maio, mas foi adiada após decisão judicial liminar (Mandado de Segurança nº 5018339-27.2025.4.047200/SC), impetrada pela família Ferreira Lima contra a UFSC. A liminar determinou que a Universidade “se abstenha de deliberar ou praticar qualquer ato que importe na revogação das homenagens conferidas ao ex-reitor João David Ferreira Lima — especialmente quanto à alteração do nome do campus universitário — até que haja decisão expressa e definitiva do Conselho Universitário sobre a impugnação apresentada no Processo nº 23080.000600/2023-25”.

Primeira decisão

O primeiro item da pauta foi a análise do processo nº 23080.000600/2023-25, que trata do pedido de impugnação ao relatório final da CMV apresentado pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, representante da família Ferreira Lima. A petição alega que o relatório atribuiu “fatos e juízos de valor lesivos à honra e à memória do ex-Reitor João David Ferreira Lima”, sem observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do direito de resposta proporcional ao agravo. A relatoria ficou sob responsabilidade do conselheiro Ubirajara Franco Moreno.

Em seu parecer, o conselheiro relator argumentou que o pedido configura um legítimo exercício do direito de petição, garantido pela Constituição Federal, e que cabe ao Conselho Universitário deliberar sobre o caso, já que a CMV foi instituída por esse órgão. No entanto, concluiu que o relatório final da Comissão possui “natureza eminentemente histórica e memorialística, voltada à reconstrução da memória institucional e à promoção do direito à verdade histórica”, e que o documento “não gera efeitos jurídicos concretos que possam ser anulados ou reformados mediante impugnação administrativa”, dado que suas atividades “não têm caráter jurisdicional ou persecutório, mas sim esclarecedor”.

Advogada da família Ferreira Lima, Heloísa Blasi, participou da sessão do CUn

Apesar disso, o parecer acolheu duas demandas apresentadas na petição. A primeira é a recomendação para que a obra “UFSC: Em Nome da Verdade”, de autoria de Heloísa Blasi Rodrigues, seja disponibilizada no Instituto Memória e Direitos Humanos e na Biblioteca Universitária, garantindo “amplo acesso à comunidade acadêmica”. A segunda é a limitação do escopo de atuação da CMV ao período estabelecido pela Lei nº 12.528/2011 — de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Segundo o conselheiro, “questões relativas à aquisição da Casa da Rua Bocaiúva e eventuais controvérsias entre os professores João David Ferreira Lima e Henrique da Silva Fontes não guardam relação com violações de direitos humanos” e, portanto, não devem ser consideradas nos trabalhos da Comissão.

Quanto à retirada de homenagens ao ex-Reitor, incluindo a alteração do nome do campus da Trindade, o conselheiro destacou que tal decisão deve ser tomada “exclusivamente mediante decisão do Conselho Universitário, em processo administrativo próprio, com a garantia do contraditório, da ampla defesa e da oitiva da família do homenageado, devidamente representada por sua procuradora”. Ele também solicitou “a averiguação e apuração de responsabilidades pela dilação na resposta à petição encaminhada”, dado o caráter preventivo do pedido e a idade avançada do requerente.

Por fim, o parecer acolheu a recomendação para a elaboração de uma resolução específica que regulamente a preservação da memória institucional e a proteção da comunidade universitária contra violações de direitos humanos. Segundo Ubirajara, essa medida “visa fortalecer os compromissos institucionais da UFSC com a promoção da verdade, da memória e da defesa dos direitos fundamentais”. Após os debates, o parecer foi aprovado por maioria, com apenas um voto contrário.

Segunda decisão

O segundo item da pauta tratou do processo nº 23080.018179/2024-90, de autoria de Daniel Ricardo Castelan, que aborda os encaminhamentos das recomendações do relatório final da CMV. Nesse caso, além do parecer do conselheiro Ubirajara Franco Moreno, os conselheiros Alex Degan e Amanda Zamboni apresentaram um parecer conjunto como relatores de vista.

Os conselheiros Alex e Amanda concordaram integralmente com as Recomendações 1, 2, 3, 4, 7, 10, 11 e 12, que incluem ações como a ampliação dos acervos históricos da UFSC, a criação de um programa de extensão sobre memória e direitos humanos, e a recuperação do edifício do Centro de Convivência, sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Eles recomendaram que a UFSC “apresente, ainda no tempo da atual gestão, um plano para recuperação do edifício”.

Sobre a Recomendação 8, que propõe a reabertura de casos revelados pelo relatório, os conselheiros reconheceram as limitações jurídicas apontadas no parecer original. Eles reforçaram que a UFSC deve “colaborar ativamente, uma vez provocada judicialmente, com indivíduos e instituições que mobilizem aparato jurídico em torno de casos e histórias revelados pelo relatório” e facilitar o acesso a documentos relevantes para pesquisadores.

A Recomendação 6, que trata da reavaliação de homenagens, recebeu especial atenção. Os conselheiros sugeriram que a alteração do nome do Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima seja deliberada em uma sessão especial do CUn, no prazo de até uma semana, respeitando o Artigo 17º do Estatuto da UFSC, que exige “a aprovação por três quintos do total de seus membros”. Eles enfatizaram que o escrutínio deve ser por voto aberto, como na concessão do nome atual.

Os conselheiros destacaram a relevância pedagógica do debate, citando Theodor Adorno: “Não se pode simplesmente esquecer o que passou. É necessário esclarecer os motivos que tornaram a barbárie algo realizável”. Para Alex e Amanda, a UFSC assumiu seu papel educativo ao promover o debate, alinhando-se às reflexões de Adorno e Walter Benjamin, que defendem o uso da memória coletiva como ferramenta de transformação social.

O relator Ubirajara manifestou concordância com o parecer de vista, especialmente sobre a realização de uma sessão exclusiva para tratar da mudança do nome do campus. Ele esclareceu que a atribuição do nome ao campus foi feita como uma alteração do estatuto, e não em uma categoria formal de “homenagem”, o que reforça a proposta de tratá-la como uma reforma estatutária. Diante da concordância, o relator se dispôs a retirar seu parecer original para que fosse votado o de vista.

Ao final da discussão, o parecer de vista conjunto foi aprovado por maioria, com apenas dois votos contrários. Esta decisão estabeleceu que a votação sobre a alteração do nome do campus-sede da UFSC ocorrerá, em sessão especial, na próxima semana.

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