‘Catarina Somos Todas Nós’: audiência exige ações imediatas contra o feminicídio em SC

28/11/2025 08:46

A Audiência Pública “Catarina Somos Todos Nós — Pelo Direito à Vida de Todas as Mulheres”, realizada nesta quinta-feira, 27 de novembro, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), foi um espaço de luto e de debate sobre a violência de gênero no estado, convocada após o feminicídio da estudante de pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Catarina Karsten. Representantes do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de órgãos de segurança uniram-se aos legisladores e aos grupos da sociedade civil para lamentar as estatísticas alarmantes e a falha do sistema em proteger as mulheres.

Embora as instituições tenham novas ações detalhadas – como protocolos de segurança integrados e grupos reflexivos para agressores -, o principal clamor foi pela necessidade de compromisso orçamentário e de mudança cultural. Houve amplo consenso de que a solução estrutural exige a inclusão obrigatória de educação em gênero e de combate à violência nos currículos escolares, desde a educação básica, para desconstruir o machismo endêmico. A sessão culminou na aprovação unânime da Carta Catarina, documento que transforma a dor em um apelo por políticas públicas concretas que garantem às mulheres o direito de viver e transitar com segurança e liberdade.

Luto e indignação

A abertura da audiência foi marcada pela apresentação cultural do bloco Filhas e Filhes de Eva no Jardim das Delícias, uma fanfarra carnavalesca feminista da qual Catarina, flautista, era aluna. Um representante do grupo expressou a dificuldade de estar presente em meio ao luto, mas ressaltou que a missão do bloco é “produzir vida, produzir poesia, produzir liberdade”. Ela questionou a narrativa de que Catarina estava em uma “trilha cheia de mata fechada”, afirmando que se trata de um caminho comum para moradores de Florianópolis e que o direito de ir e vir deve ser assegurado a toda pessoa.

A deputada Luciane Carminatti, proponente do debate, destacou que Catarina tinha 31 anos, era professora de inglês e mestranda na UFSC, com planos simples e legítimos — como construir uma casa com o marido. Ela foi assassinada enquanto se dirigia a uma aula de natação. Carminati afirmou categoricamente que Catarina “não morreu porque estava numa trilha; Catarina morreu porque o machismo mata, porque a violência contra as mulheres é cultural e insiste em continuar”.

A dor do luto foi reforçada pela leitura de uma carta escrita por Roger Gusmão, companheiro de Catarina, que acompanhava a audiência à distância. Ele pediu que o luto fosse transformado em luta e sugeriu a mudança do nome da Praia do Matadeiro, local do crime, para Praia Catarina, para que o lugar remeta à “luz e esperança de um mundo melhor para as mulheres”.

Falha do Estado

Diversos participantes e questionados consideraram a falência do sistema de proteção. A deputada Paulinha, coordenadora da Bancada Feminina, desabafou: “Eu me sinto um lixo como deputada cada vez que uma mulher morre”, relatando-se impotente apesar de todas as leis já criadas. O deputado Marquito reforçou o sentimento de indignação e a necessidade de criminalizar o que é crime e combater a impunidade.

A juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Naiara Brancher, admitiu que, mesmo com todas as políticas em vigor, “todas as nossas políticas não foram suficientes para manter essas mulheres vivas”. Ela destacou o dado alarmante de que um terço das sentenças criminais em Santa Catarina se refere à violência doméstica. Concluiu que, enquanto Estado, sistema de Justiça, Poder Legislativo e sociedade, “todos nós falhamos”.

A deputada Luciane apresentou dados chocantes: em Santa Catarina, 26,2% das medidas protetivas são descumpridas (2024), a segunda pior taxa do Brasil. Entre 2020 e 2024, foram registrados 277 feminicídios no estado.

A procuradora-geral do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Vanessa Cavalazzi, abordou a raiz cultural do problema. Ela disse aos homens se eles se preocupam com a roupa que vestem, enfatizando que as mulheres fazem essa pergunta todos os dias porque “o nosso corpo é enxergado como um objeto”. Criticou como a estrutura social naturaliza essa objetificação, citando propagandas que exibem corpos femininos.

Em contrapartida, a procuradora discordou da ideia de que as penas para feminicídio são insuficientes, afirmando que elas são “gigantes” e que a Justiça responde rapidamente nesses casos extremos. No entanto, destacou que o crime de desobediência (descumprimento de medida protetiva) tem pena “ridícula”, o que a indigna.

Cibelly Farias, procuradora-geral do Ministério Público de Contas de Santa Catarina (MPC/SC), trouxe o aspecto financeiro, citando auditorias que calcularam em R$ 25 milhões o custo do feminicídio para o Estado entre 2011 e 2018. Ela lamentou que esse valor não tenha sido aplicado em políticas de prevenção.

O coronel Alexandre da Silva, representante da Secretaria de Estado da Segurança Pública, buscou demonstrar esforços de governo, como a integração de dados e a emissão rápida de medidas protetivas. Anunciou a aquisição de 30 mil dispositivos de monitoramento para vítimas, que funcionarão junto às tornozeleiras eletrônicas dos agressores. Informou também que o governo implantará mais 26 Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente e à Mulher (DPCAMs). Destacou um dado positivo da Polícia Militar: a Rede Catarina, que atua em 295 municípios e já atendeu mais de 100 mil mulheres desde 2017, não registradas feminicídios entre as mulheres tuteladas pelo programa.

Marlete Oliveira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), cobrou veementemente a ausência de orçamento carimbado para políticas públicas de gênero na Lei Orçamentária Anual (LOA).

A defensora pública Anne Teive Auras, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), enfatizou que o problema não se resolve apenas com leis mais rigorosas, mas com a aplicação de políticas públicas intersetoriais previstas na Lei Maria da Penha. Listou a necessidade de discutir o direito à cidade (espaços públicos seguros) e a importância de políticas de saúde mental, assistência social e até mesmo acesso ao aborto legal, diante de mortes de mulheres por omissão do Estado.

A contribuição da UFSC

A professora Vera Gaspareto, coordenadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC, esteve presente na audiência, e a UFSC foi mencionada como parceira na capacitação dos grupos reflexivos para autores de violência.

A professora Alinne Fernandes, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Inglês (PPGI) da UFSC, onde Catarina era mestranda, fez um apelo crucial, ressaltando que Catarina defendia na transformação pela educação.

Em um estado em que o debate de gênero é criminalizado, a professora declarou que “gênero não é ideologia; gênero é fato existencial e social, e, de uma vez por todas, todo mundo precisa entender isso”. Ela também cobrou que as instituições conversaram com as universidades, que foram “criminalizadas e perseguidas” nos últimos anos.

O consenso sobre a educação como via de mudança cultural foi quase unânime. A deputada Paulinha afirmou: “Eu só conheço um único caminho que pode mudar esse machismo endêmico que nos assombra dessa maneira: é pela educação”. A procuradora Sibeli Farias lamentou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE), há sete anos, reiterou a recomendação de que a discussão de gênero seja abordada nas escolas.

Carta Catarina

A audiência culminou com a aprovação, por aclamação, da Carta Catarina, documento que afirma que o direito das mulheres à vida inclui o direito de ocupar todos os espaços públicos e privados, urbanos ou ambientais, com autonomia, segurança e liberdade.

Entre as propostas, destacam-se:

  • Garantir a plena liberdade de ir e às mulheres em espaços públicos e de natureza, assegurando infraestrutura e segurança, sem a necessidade de “vigilância masculina compulsória”.
  • Garantir orçamento adequado e qualificação profissional para políticas permanentes e intersetoriais de prevenção ao feminicídio.
  • Envolver os homens em políticas de prevenção que questionem privilégios e promover a responsabilização ética, reconhecendo que a transformação das masculinidades é condição essencial para garantir a vida e a liberdade das mulheres.
  • Assegurar o cumprimento da legislação vigente, incorporando de forma transversal e contínua, nos currículos escolares, a discussão sobre direitos humanos das mulheres e equidade.

A audiência demonstrou que, embora haja avanços institucionais na resposta ao crime — como novos dispositivos de monitoramento e o aumento de delegacias, Santa Catarina continua a fracassar drasticamente na prevenção cultural, enraizada em um machismo endêmico e alimentado por discursos que deslegitimam a educação de gênero e a autonomia feminina. O debate é uma luta para que a vida das mulheres deixe de ser vista como variável negociável no orçamento ou na política pública e passe a ser tratada como direito inalienável.

A audiência foi transmitida ao vivo e pode ser assistida na íntegra:

 

Divisão de Imprensa do GR | SECOM
imprensa.gr@contato.ufsc.br

Tags:

‘Catarina somos todas nós’: audiência pública nesta quinta discutirá segurança e proteção às mulheres

26/11/2025 16:05

A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), representada pela deputada estadual Luciane Carminatti (PT), convoca a sociedade catarinense para uma audiência pública que discutirá segurança e proteção às mulheres. O encontro será nesta quinta-feira, 27 de novembro, às 14h, no Plenarinho, com transmissão ao vivo pelo YouTube da Alesc.

O debate será realizado a partir do recente assassinato da estudante Catarina Karten, na última sexta-feira, um crime que volta a escancarar a gravidade da violência de gênero no estado. A audiência terá como título “Catarina somos todas nós — Pelo direito à vida de todas as mulheres”, reforçando que o caso representa a realidade de milhares de catarinenses.

O requerimento apresentado à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público recebeu o apoio de outros sete parlamentares, demonstrando convergência institucional para o enfrentamento ao feminicídio e às agressões contra mulheres.

“Quando uma mulher é atacada, todas nós estamos em risco. Precisamos de ação firme, investimento em políticas de proteção e resposta rápida das instituições. A audiência é um chamado para que o Estado cumpra seu papel e para que a sociedade não se cale”, afirma.

A presença e participação são essenciais: “Garantir a vida das mulheres precisa ser prioridade absoluta — e isso só acontece com compromisso, pressão social e políticas efetivas”, ressalta a deputada.

Tags: Alescaudiência públicaFeminicídioLuciane CarminattiUFSCViolência de gênero

Reitoria da UFSC participa da abertura do ‘Seminário Escola é Lugar de Ciência’

10/11/2025 16:20

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) marcou presença na abertura do III Seminário Escola é Lugar de Ciência, realizado na manhã desta segunda-feira, 10 de novembro, no Plenarinho da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). O evento, promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Alesc – presidida pela deputada estadual Luciane Carminatti -, ocorreu em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em Santa Catarina (SBPC-SC) e contou com a participação do reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, e da vice-reitora Joana Célia dos Passos.

Durante sua fala, o reitor Irineu destacou que o seminário reúne representantes do sistema educacional catarinense, incluindo universidades estaduais, a UFSC, institutos federais e fóruns de educação, formando uma ampla rede de cooperação interinstitucional. Ele enfatizou que o principal objetivo do evento é fomentar a educação científica e incentivar a formação de jovens cientistas desde as etapas iniciais da vida escolar. Relembrando que a primeira edição do seminário aconteceu em 2019, Irineu sublinhou que, este ano, a meta é fortalecer e reativar o programa Escola é Lugar de Ciência, articulando escolas públicas, universidades e o poder legislativo para debater temas como pesquisa científica, extensão universitária e educação básica. O reitor também ressaltou a relevância do seminário para o fortalecimento de políticas educacionais e a identificação de boas práticas que impulsionem avanços na área. Ele destacou a trajetória da UFSC como protagonista nos debates sobre educação e sua contribuição para o desenvolvimento do novo Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em discussão, reafirmando o papel estratégico da instituição no cenário estadual e nacional.

A vice-reitora Joana, por sua vez, ministrou a conferência “Educação e Direitos Humanos: por uma agenda político-pedagógica interseccional”, com um questionamento coletivo sobre o conceito de ciência, instigando reflexões sobre “ciência para quem e com quem”. Para evidenciar as desigualdades estruturais nas escolas públicas brasileiras, a professora apresentou dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2024, apontando que apenas 39% das escolas possuem internet disponível para os alunos, 30% têm conexão adequada, 44% oferecem computadores, 29% contam com laboratório de informática, 10% dispõem de laboratório de ciências e 36% possuem quadras esportivas. Além disso, somente 32% das escolas contam com bibliotecas, uma carência que afeta especialmente instituições situadas em áreas rurais ou periferias urbanas, frequentadas por crianças de camadas populares. “Ciência no Brasil é algo para a elite brasileira”, criticou a vice-reitora, denunciando a precariedade das condições de ensino e a desigualdade no acesso a recursos. Joana também apontou que formar professores não é suficiente quando as condições objetivas das escolas inviabilizam a aplicação prática do aprendizado universitário. Segundo ela, a falta de infraestrutura e a alta rotatividade de docentes em escolas de regiões mais pobres refletem um projeto político que perpetua a exclusão social.

Ao explorar o tema central de sua conferência, Joana destacou a importância de construir uma agenda político-pedagógica interseccional que enfrente as desigualdades estruturais e promova a inclusão. Ela explicou que a interseccionalidade permite compreender como marcadores sociais, como raça, gênero, classe e deficiência, se cruzam para criar experiências únicas de exclusão. Essa abordagem, segundo a professora, é essencial para repensar práticas pedagógicas, currículos, materiais didáticos e políticas educacionais, abrangendo desde a formação de professores até a gestão escolar. Joana também defendeu que a educação deve ser um espaço de emancipação, inspirado pelos valores de Paulo Freire, e afirmou ser urgente superar visões colonialistas e eurocêntricas que ainda moldam a escola brasileira. “A ciência que deve entrar na escola é aquela construída para a emancipação e que reconhece as diferenças que constituem os grupos historicamente marginalizados”, declarou, enfatizando os impactos positivos das políticas de ações afirmativas no ambiente acadêmico. Ela também ressaltou a necessidade de currículos que celebrem a diversidade e reforçou o papel da escola como um centro cultural de ciência, arte e cidadania, integrando famílias e comunidades em um esforço coletivo de transformação.

A UFSC integra o grupo de instituições parceiras que apoiam e colaboram com a realização do seminário, ao lado de outras universidades públicas, como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), bem como dos institutos federais de Santa Catarina (IFSC e IFC), órgãos governamentais e entidades representativas da educação no estado. Entre os parceiros estão a Secretaria de Estado de Educação de Santa Catarina (SED), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a Federação de Consórcios e Associações de Municípios de Santa Catarina (Fecam), o Conselho Estadual de Educação (CEE/SC), o Fórum Estadual de Educação (FEE/SC) e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte).

O evento, com programação até o dia 11 de novembro, ocorre em dois locais: o primeiro dia no Plenarinho Deputado Paulo Stuart Wright, na Alesc, e o segundo dia no Auditório Tito Sena, na Faculdade de Educação da Udesc (Faed/Udesc). A programação completa está disponível no site da SBPC/SC.

A participação da Reitoria da UFSC no seminário reafirma o compromisso da universidade com a educação básica e a disseminação da cultura científica em Santa Catarina, contribuindo para a construção de políticas educacionais que promovam a formação crítica e cidadã dos estudantes catarinenses.

Assista ao primeiro dia do seminário na íntegra:

Rosiani Bion de Almeida | Divisão de Imprensa do GR
imprensa.gr@contato.ufsc.br

Tags: AlescEducação e Direitos HumanosIFCIFSCIII Seminário Escola é Lugar de CiênciaLuciane CarminattiUdescUFFSUFSC

Evento reúne contribuições de SC para COP30; UFSC soma-se às instituições participantes

04/11/2025 14:41

Professor da UFSC Paulo Horta no Simpósio Estadual da COP30, na Alesc. Imagens: TVAL

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) participou nesta segunda-feira, 3 de novembro, do Simpósio Estadual da COP30, realizado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em Florianópolis. O encontro apresentou o relatório de sistematização das conferências regionais, documento que consolida percepções, diagnósticos e propostas da sociedade catarinense para subsidiar políticas públicas climáticas. “A UFSC veio para somar na construção de soluções concretas, articulando ciência, formação de pessoas e compromisso social. Nossa participação garante que o conhecimento produzido na universidade se traduza em políticas públicas e em ações capazes de responder aos desafios climáticos de Santa Catarina e do Brasil”, afirmou o reitor Irineu Manoel de Souza.

O relatório reúne contribuições coletadas em cinco conferências regionais no estado e será encaminhado à Presidência da COP30 e ao governo catarinense, posicionando Santa Catarina no debate nacional e internacional sobre mudanças climáticas. Com o tema “Construindo Contribuições Autodeterminadas para a Ação do Clima”, o simpósio reuniu representantes do poder público, da sociedade civil e de instituições de ensino para discutir as propostas que o estado levará à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, prevista para novembro de 2025, em Belém (PA). A programação incluiu debate mediado pelo deputado Marquito (PSOL), com foco na construção de políticas climáticas mais justas, eficazes e alinhadas às diretrizes nacionais e internacionais.

O professor Paulo Horta, do Centro de Ciências Biológicas (CCB), reforçou o compromisso institucional de parceria com a Alesc ao longo da COP30, “nesse processo de dialogar com mais ciência, mais participação popular”, e de integrar “parcerias indispensáveis com povos originários e comunidades tradicionais”, para a construção de soluções que evitem “grandes colapsos”. Ele defendeu que “é fundamental que esse processo seja revestido de um sentimento de urgência”, ponto que, segundo disse, esteve presente nas manifestações dos parlamentares. Para Horta, não basta reconhecer o problema: é preciso organizar “uma articulação de todas as instituições”. O que se observa “em Florianópolis, em Santa Catarina”, afirmou, “é difícil de acreditar”, citando contradições que não deveriam mais ser toleradas, como “ver uma escola do mar ser demolida” e a “discussão de construção de engordamento de praia num cenário de elevação do nível do mar”, sem “uma discussão profunda com a sociedade sobre o real diagnóstico do clima do planeta”.

Horta destacou a necessidade de “dialogar com o Tribunal de Contas”, para revisar o “uso do recurso público”. “Já foram bilhões nos últimos 30 anos” em medidas reativas, “enxugando gelo, expondo famílias” e “a vida das pessoas ao cenário que está”. Para ele, o ciclo deve ser substituído por políticas de prevenção, adaptação e transição justa, com metas, indicadores e governança interinstitucional. A expectativa, afirmou, é que a COP30 seja “um espaço de uma grande orquestração de todas as instituições”, com cooperação efetiva entre Legislativo, Executivo, academia, setor produtivo, controle externo, movimentos sociais, povos originários e comunidades tradicionais.

Ao parabenizar a Alesc e ao deputado proponente, Horta avaliou que o relatório “precisa ser uma bíblia, um documento-base para todas as instituições”. Em suas palavras, a UFSC “se orgulha demais de ter recebido parte desse processo lá dentro” e seguirá contribuindo com dados, diagnósticos, formação, extensão, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Ele concluiu com um apelo: que “todas as instituições se sintam responsáveis pela execução desse chamamento”, porque “o tempo da hesitação acabou” e o que está em jogo é “a preservação da vida, do patrimônio socioambiental e da dignidade” da população.

O relatório registra agradecimentos a todos os participantes que contribuíram para sua elaboração. Constam como universidades parceiras UFSC, Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Universidade da Região de Joinville (Univille), Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); como apoio institucional, a Presidência da COP30 (Luciana Abade) e o deputado federal Pedro Uczai; em inspiração e engajamento, Leonardo Boff, movimentos sociais, comunidades tradicionais e a academia; e, no trabalho técnico, servidores da Comissão de Meio Ambiente, da Escola do Legislativo e do Setor de Taquigrafia.

 Assista ao evento na íntegra:

Divisão de Imprensa do GR | SECOM
imprensa.gr@contato.ufsc.br

Tags: AlescCCBCOP-30Paulo HortaUFSC

Reunião ampliada na Alesc une academia e movimentos sociais em defesa das cotas raciais

22/10/2025 16:27

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) sediou na noite desta terça-feira, 21 de outubro, a reunião ampliada “Cotas Raciais Ficam!”, convocada pelo deputado estadual Fabiano da Luz (PT) em conjunto com o Observatório de Enfrentamento ao Racismo de Santa Catarina. O encontro mobilizou pesquisadores, movimentos sociais, estudantes e gestores públicos para manifestar posição contrária à PEC 0004/2025, proposta pelo deputado Jessé Lopes (PL), que pretende vedar o uso de critérios raciais em políticas de acesso às instituições públicas estaduais de ensino superior.

A mesa de debate foi composta por: Fabiano da Luz, parlamentar; Marcio de Souza, coordenador do Observatório de Enfrentamento ao Racismo de Santa Catarina; Joana Célia dos Passos, vice-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Jadel da Silva Junior, promotor da 40ª Promotoria de Justiça de Santa Catarina e membro do Observatório; Ana Paula Fão Fischer, defensora pública do Estado de Santa Catarina; Maria Helena Tomaz, representante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); Marcos Caneta, presidente da Escola Olodum Sul e representante dos movimentos sociais; e Regina Célia da Silva Suenes, gerente de Políticas para Igualdade Racial e Imigrantes do Governo do Estado.

A proposta em debate acrescenta o artigo 169-A à Constituição estadual, determinando que ações afirmativas sejam “exclusivamente” baseadas em critérios socioeconômicos. O texto proíbe, de forma expressa, “a adoção de critérios baseados exclusivamente em raça, etnia ou cor para reserva de vagas ou concessão de benefícios educacionais” e declara priorizar estudantes de baixa renda e egressos da rede pública estadual. Segundo o autor, “são várias as razões pelas quais sou contra a cota por sexo ou cor: violam o princípio da igualdade individual, promovem estigmatização e reforçam a divisão entre raças”.

Cotas raciais como política constitucional e necessária

Para os participantes da reunião, a PEC representa um grave retrocesso. Organizações presentes destacaram que as cotas raciais são políticas reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como constitucionais e necessárias para promover igualdade material, além de estarem amparadas por legislações federais como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) e a Lei 14.723/2023. Na avaliação dos debatedores, extinguir o recorte racial ignora desigualdades historicamente produzidas contra a população negra, povos indígenas, comunidades quilombolas e outros grupos marginalizados. A própria experiência da Udesc reforça a importância de políticas específicas: em 1995, a instituição criou o Grupo de Trabalho Educação e Desigualdades Raciais e o Grupo de Pesquisa Multiculturalismo: Estudos Africanos e da Diáspora, inaugurando uma agenda consistente de enfrentamento ao racismo; em 1996, a inclusão da disciplina História da África I no curso de História consolidou a valorização das identidades negras e afro-brasileiras nos currículos.

Joana Célia dos Passos, pesquisadora nas áreas de educação, relações étnico-raciais e políticas públicas, e coordenadora da “Cátedra Antonieta de Barros: Educação para a Igualdade Racial e Combate ao Racismo” da UFSC, evidenciou que “Santa Catarina abriga 29 territórios indígenas, distribuídos em 20 municípios, onde vivem aproximadamente 10.370 pessoas em terras indígenas e outras 5.672 em áreas urbanas. Também temos 21 territórios quilombolas, com cerca de 1.350 famílias e 4.595 pessoas”, enfatizando a riqueza da diversidade presente no estado. Entretanto, ela também alertou para desafios graves, como “a existência de mais de 60 células neonazistas ativas”, além do fato de o estado estar entre os que mais registram casos de injúria racial. Para Joana Célia, esses dados “evidenciam a urgência de construirmos instrumentos capazes de enfrentar o racismo e as desigualdades raciais”.

No contexto desses desafios, a vice-reitora classificou a PEC 004/2025 como “uma ameaça direta às populações historicamente marginalizadas”. Segundo ela, ao propor um recorte exclusivamente socioeconômico para as ações afirmativas, a PEC ignora a dimensão racial e os impactos que isso traz para milhares de pessoas. “Essa PEC não atinge apenas a população negra, mas também indígenas, pessoas LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência, que enfrentam preconceitos e barreiras sistemáticas”, pontuou.

Joana Célia reforçou que não é possível aceitar retrocessos. “Todos esses grupos precisam estar integrados nesse movimento de resistência coletiva, porque o enfrentamento às desigualdades raciais é um compromisso de toda a sociedade.” Para ela, a diversidade “não é apenas um valor: é uma necessidade para a justiça social e para a construção de um futuro mais inclusivo”.

O marco legal e decisões do STF consolidaram o entendimento de que cotas raciais são instrumentos de reparação histórica e promoção da igualdade substantiva, não se confundindo com privilégios. Indicadores educacionais e de renda no estado e no país seguem evidenciando desigualdades persistentes quando se observa a variável raça/cor, o que justifica a manutenção de políticas específicas, complementares às socioeconômicas. A reunião ampliada em defesa das ações afirmativas contra a PEC 0004/2025, portanto, fortalece um percurso histórico de lutas, resistências e avanços da Udesc e de toda a comunidade acadêmica e social catarinense, e constitui um chamado à reflexão e ao engajamento coletivo pela continuidade, pelo fortalecimento e pela ampliação das políticas que garantem acesso, permanência e sucesso acadêmico de estudantes negras e negros, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e demais grupos historicamente sub-representados no ensino superior.

Durante o encontro, representantes do Observatório classificaram a PEC como um “ataque direto” a conquistas históricas, argumentando que a retirada do componente racial reduziria o alcance de estudantes que, mesmo não sendo os mais pobres, enfrentam discriminações e barreiras raciais sistemáticas. Movimentos estudantis destacaram que a presença de estudantes negros, indígenas e quilombolas nas universidades públicas catarinenses cresceu significativamente por meio das políticas afirmativas, com impactos positivos para a diversidade, a produção científica e o cumprimento da função social das universidades.

Palavras como organização, mobilização e resistência ecoaram na reunião em defesa das ações afirmativas na Udesc, onde estudantes, professores, técnicos e movimentos sociais reafirmaram o compromisso com uma universidade pública, inclusiva e antirracista, além de se posicionarem pelo arquivamento da PEC, que ameaça conquistas do povo negro e das classes populares. Reforçou-se que cada avanço foi fruto de luta e que não há espaço para retrocessos diante de uma comunidade organizada e consciente de seu papel histórico.

 

Rosiani Bion de Almeida | Divisão de Imprensa do GR
imprensa.gr@contato.ufsc.br

 

 

Tags: AlescCátedra Antonieta de Barroscotas raciaisGabinete da ReitoriaObservatório de Enfrentamento ao Racismo de Santa CatarinaPEC 0004/2025UFSC
  • Página 1 de 4
  • 1
  • 2
  • 3
  • 4