Sessão histórica: Conselho Universitário decide pelo caminho da memória e reparação

06/06/2025 18:10

Conselho Universitário retoma discussões sobre o relatório final da CMV-UFSC. Fotos: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

As duas primeiras pautas da sessão ordinária do Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizada na tarde desta sexta-feira, 6 de junho, retomaram as discussões sobre o relatório final da Comissão Memória e Verdade (CMV). A reunião, considerada histórica para a instituição, ocorreu no Auditório da Reitoria e contou com ampla participação da comunidade, interna e externa, além de ser transmitida ao vivo pelo canal do YouTube do CUn.

A controvérsia em torno do relatório da CMV segue como um dos debates mais sensíveis da história recente da UFSC, envolvendo memória, reparação e o papel da Universidade durante o regime autoritário. Criada em 2014, a CMV tinha como objetivo investigar violações de direitos humanos ocorridas na instituição durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Ao longo de quatro anos, a Comissão analisou mais de 1.500 documentos históricos, coletou depoimentos de vítimas e testemunhas, e promoveu audiências públicas. Em 2018, apresentou um relatório final com 12 recomendações, incluindo a reavaliação de homenagens a figuras ligadas a denúncias e perseguições no período. O documento foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário à época.

A sessão desta sexta-feira deveria ter ocorrido em 30 de maio, mas foi adiada após decisão judicial liminar (Mandado de Segurança nº 5018339-27.2025.4.047200/SC), impetrada pela família Ferreira Lima contra a UFSC. A liminar determinou que a Universidade “se abstenha de deliberar ou praticar qualquer ato que importe na revogação das homenagens conferidas ao ex-reitor João David Ferreira Lima — especialmente quanto à alteração do nome do campus universitário — até que haja decisão expressa e definitiva do Conselho Universitário sobre a impugnação apresentada no Processo nº 23080.000600/2023-25”.

Primeira decisão

O primeiro item da pauta foi a análise do processo nº 23080.000600/2023-25, que trata do pedido de impugnação ao relatório final da CMV apresentado pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, representante da família Ferreira Lima. A petição alega que o relatório atribuiu “fatos e juízos de valor lesivos à honra e à memória do ex-Reitor João David Ferreira Lima”, sem observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do direito de resposta proporcional ao agravo. A relatoria ficou sob responsabilidade do conselheiro Ubirajara Franco Moreno.

Em seu parecer, o conselheiro relator argumentou que o pedido configura um legítimo exercício do direito de petição, garantido pela Constituição Federal, e que cabe ao Conselho Universitário deliberar sobre o caso, já que a CMV foi instituída por esse órgão. No entanto, concluiu que o relatório final da Comissão possui “natureza eminentemente histórica e memorialística, voltada à reconstrução da memória institucional e à promoção do direito à verdade histórica”, e que o documento “não gera efeitos jurídicos concretos que possam ser anulados ou reformados mediante impugnação administrativa”, dado que suas atividades “não têm caráter jurisdicional ou persecutório, mas sim esclarecedor”.

Advogada da família Ferreira Lima, Heloísa Blasi, participou da sessão do CUn

Apesar disso, o parecer acolheu duas demandas apresentadas na petição. A primeira é a recomendação para que a obra “UFSC: Em Nome da Verdade”, de autoria de Heloísa Blasi Rodrigues, seja disponibilizada no Instituto Memória e Direitos Humanos e na Biblioteca Universitária, garantindo “amplo acesso à comunidade acadêmica”. A segunda é a limitação do escopo de atuação da CMV ao período estabelecido pela Lei nº 12.528/2011 — de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Segundo o conselheiro, “questões relativas à aquisição da Casa da Rua Bocaiúva e eventuais controvérsias entre os professores João David Ferreira Lima e Henrique da Silva Fontes não guardam relação com violações de direitos humanos” e, portanto, não devem ser consideradas nos trabalhos da Comissão.

Quanto à retirada de homenagens ao ex-Reitor, incluindo a alteração do nome do campus da Trindade, o conselheiro destacou que tal decisão deve ser tomada “exclusivamente mediante decisão do Conselho Universitário, em processo administrativo próprio, com a garantia do contraditório, da ampla defesa e da oitiva da família do homenageado, devidamente representada por sua procuradora”. Ele também solicitou “a averiguação e apuração de responsabilidades pela dilação na resposta à petição encaminhada”, dado o caráter preventivo do pedido e a idade avançada do requerente.

Por fim, o parecer acolheu a recomendação para a elaboração de uma resolução específica que regulamente a preservação da memória institucional e a proteção da comunidade universitária contra violações de direitos humanos. Segundo Ubirajara, essa medida “visa fortalecer os compromissos institucionais da UFSC com a promoção da verdade, da memória e da defesa dos direitos fundamentais”. Após os debates, o parecer foi aprovado por maioria, com apenas um voto contrário.

Segunda decisão

O segundo item da pauta tratou do processo nº 23080.018179/2024-90, de autoria de Daniel Ricardo Castelan, que aborda os encaminhamentos das recomendações do relatório final da CMV. Nesse caso, além do parecer do conselheiro Ubirajara Franco Moreno, os conselheiros Alex Degan e Amanda Zamboni apresentaram um parecer conjunto como relatores de vista.

Os conselheiros Alex e Amanda concordaram integralmente com as Recomendações 1, 2, 3, 4, 7, 10, 11 e 12, que incluem ações como a ampliação dos acervos históricos da UFSC, a criação de um programa de extensão sobre memória e direitos humanos, e a recuperação do edifício do Centro de Convivência, sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Eles recomendaram que a UFSC “apresente, ainda no tempo da atual gestão, um plano para recuperação do edifício”.

Sobre a Recomendação 8, que propõe a reabertura de casos revelados pelo relatório, os conselheiros reconheceram as limitações jurídicas apontadas no parecer original. Eles reforçaram que a UFSC deve “colaborar ativamente, uma vez provocada judicialmente, com indivíduos e instituições que mobilizem aparato jurídico em torno de casos e histórias revelados pelo relatório” e facilitar o acesso a documentos relevantes para pesquisadores.

A Recomendação 6, que trata da reavaliação de homenagens, recebeu especial atenção. Os conselheiros sugeriram que a alteração do nome do Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima seja deliberada em uma sessão especial do CUn, no prazo de até uma semana, respeitando o Artigo 17º do Estatuto da UFSC, que exige “a aprovação por três quintos do total de seus membros”. Eles enfatizaram que o escrutínio deve ser por voto aberto, como na concessão do nome atual.

Os conselheiros destacaram a relevância pedagógica do debate, citando Theodor Adorno: “Não se pode simplesmente esquecer o que passou. É necessário esclarecer os motivos que tornaram a barbárie algo realizável”. Para Alex e Amanda, a UFSC assumiu seu papel educativo ao promover o debate, alinhando-se às reflexões de Adorno e Walter Benjamin, que defendem o uso da memória coletiva como ferramenta de transformação social.

O relator Ubirajara manifestou concordância com o parecer de vista, especialmente sobre a realização de uma sessão exclusiva para tratar da mudança do nome do campus. Ele esclareceu que a atribuição do nome ao campus foi feita como uma alteração do estatuto, e não em uma categoria formal de “homenagem”, o que reforça a proposta de tratá-la como uma reforma estatutária. Diante da concordância, o relator se dispôs a retirar seu parecer original para que fosse votado o de vista.

Ao final da discussão, o parecer de vista conjunto foi aprovado por maioria, com apenas dois votos contrários. Esta decisão estabeleceu que a votação sobre a alteração do nome do campus-sede da UFSC ocorrerá, em sessão especial, na próxima semana.

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Conselho Universitário analisa parecer sobre trabalho da Comissão Memória e Verdade da UFSC

29/04/2025 20:50

A sessão foi aberta ao público e direcionada ao Auditório da Reitoria. Foto: Agecom/UFSC

O Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) analisou, em sessão realizada na tarde desta terça-feira, 29 de abril, parecer referente ao trabalho da Comissão Memória e Verdade (CMV) da instituição. Criada em 2014, a CMV foi instituída com o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas na UFSC durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O referido parecer foi elaborado pelo conselheiro Ubirajara Franco Moreno e, devido à relevância dos temas tratados, a reunião foi transferida da Sala dos Conselhos para o Auditório da Reitoria, após decisão coletiva de torná-la aberta ao público.

O documento foi embasado por dois processos: (23080.018179/2024-90) um relativo ao encaminhamento das recomendações da CMV, e outro (23080.000600/2023-25) que trata de um pedido de impugnação do Relatório Final da Comissão, o qual foi apresentado pela advogada Heloísa Blasi Rodrigues, em nome da família do ex-reitor João David Ferreira Lima. Neste caso específico, adianta-se que o relator manifestou-se pelo não acolhimento da impugnação.

Advogada Heloísa Blasi Rodrigues falou sobre o processo na sessão. Foto: Agecom/UFSC

A impugnação alegava que o relatório violava os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, apontando, entre outros itens, acusações de corrupção, generalizações sobre a atuação do ex-reitor e críticas à compra de um imóvel pela UFSC. Apesar de ter sido reconhecida a legitimidade do pedido como exercício de direito constitucional, o parecer reiterou que o Relatório Final da CMV não configura ato administrativo passível de impugnação, dado seu caráter exclusivamente histórico e memorialístico.

O parecer destacou ainda que as comissões de verdade, regulamentadas pela Lei nº 12.528/2011, têm como objetivo esclarecer violações de direitos humanos e promover a reconstrução da memória histórica, sem efeitos jurídicos sancionatórios. No entanto, dois encaminhamentos foram propostos favoráveis aos impugnantes: que a petição receba publicidade equivalente à do Relatório Final, sem custos para a parte requerente, e que decisões sobre a retirada de homenagens ao ex-reitor sejam tomadas por meio de processo administrativo específico, e participação da família Ferreira Lima.

A Comissão de Encaminhamento das Recomendações (CER), criada em 2023 para implementar as medidas sugeridas no Relatório Final da CMV, corroborou o entendimento de que o material é histórico e não deve ser impugnado. Entretanto, sugeriu a exclusão de fatos anteriores a 1964 e recomendou a incorporação do acervo histórico do ex-professor Aluízio Blasi ao Arquivo Central da UFSC, para torná-lo acessível à pesquisa.

O parecer foi elaborado pelo conselheiro Ubirajara Franco Moreno. Foto: Agecom/UFSC

Em relação às homenagens, a CER manifestou-se favoravelmente à revogação do nome do campus Florianópolis, no bairro Trindade, com base nas evidências contidas no Relatório Final. O parecer de responsabilidade do professor José Isaac Pilati, reforçou que alterações em homenagens devem ser regulamentadas e deliberadas em processos específicos, com a participação da família do homenageado. Além disso, sugeriu a elaboração de uma resolução para normatizar o assunto.

A reavaliação das homenagens concedidas a figuras envolvidas em perseguições políticas no período da ditadura tem sido um dos temas mais sensíveis e gerado controvérsias. O parecer sugere que essa regulamentação seja incorporada ao Estatuto da UFSC, estabelecendo critérios claros para futuras deliberações.

As 12 recomendações apresentadas pela CMV foram elencadas pelo parecerista, além dos encaminhamentos propostos pela CER. Entre as iniciativas propostas, destacam-se a manutenção de acervos históricos, a criação de um programa de extensão voltado à memória e aos direitos humanos, a conclusão de um documentário sobre a UFSC durante a ditadura e a realização de uma Sessão Solene de desagravo a perseguidos políticos. Algumas medidas, como a publicação do livro Memórias Reveladas da UFSC durante a Ditadura Civil-Militar e a criação do Acervo Memória e Direitos Humanos, já foram parcialmente implementadas. Outras, como a construção de um memorial, ainda aguardam definições.

Para a proposta de criação de uma “Casa da Memória”, voltada para atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre direitos humanos, recomendou-se que a iniciativa seja articulada com o Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH) da UFSC, evitando duplicidade de esforços. Adicionalmente, foi sugerido o fortalecimento do Serviço Especializado de Atendimento às Vítimas de Violência (SEAVi), com programas inspirados nas “Clínicas do Testemunho”, para acolher vítimas de violações de direitos humanos e promover reparação simbólica.

O relator registrou em seu parecer que “não basta registrar fatos passados; é necessário compreender os processos e as escolhas que possibilitaram as violações, de modo que a memória crítica atue como salvaguarda contra a repetição dos erros. Portanto, a investigação da responsabilidade coletiva da UFSC não pode ser entendida como um mero ajuste de contas com o passado, mas como um exercício vital de fortalecimento institucional e de compromisso com a democracia, a liberdade acadêmica e os direitos humanos”.

Após a leitura do parecer, a sessão foi aberta para a fala dos inscritos. Estudantes e servidores técnicos e docentes puderam participar deste momento histórico para a Universidade, bem como a advogada Heloísa Blasi. Diante da impossibilidade de encerrar o assunto na sessão deste dia, o reitor anunciou que será marcado uma nova data, de forma extraordinária.

Assista a sessão na íntegra:

Leia mais: Conselho Universitário analisa mudança de nome do campus da UFSC em Florianópolis

Rosiani Bion de Almeida / SECOM
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