Redbioética UNESCO: ‘crise global de valores que ameaça a sustentabilidade da vida’

06/11/2025 09:12

Mais de 2.200 participantes de 25 países acompanham a décima edição do Congresso Internacional da Redbioética UNESCO, aberto na manhã desta terça-feira, 5 de novembro, no campus Trindade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. O evento, que segue até sexta-feira (7), foi precedido pelo lançamento oficial da Cátedra UNESCO de Bioética e Saúde Coletiva Giovanni Berlinguer, no dia 4 (segunda), e marcado pelos 20 anos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.

No discurso de abertura, o professor da UFSC Fernando Hellmann – presidente do Congresso – traçou um panorama contundente dos desafios contemporâneos, afirmando que vivemos “tempos desafiadores marcados por múltiplas crises humanitárias, crises sociais, ambientais, climáticas, crises políticas e de representatividade democrática”. Segundo o professor, essas crises são amplificadas pelo avanço tecnológico excludente, pelo uso indiscriminado da inteligência artificial e pelo colonialismo digital, além da transferência de funções essenciais do Estado e de organismos multilaterais para a iniciativa privada, que prioriza o lucro em detrimento do bem comum.

O resultado, segundo Hellmann, é “uma crise global de valores que ameaça a sustentabilidade da vida no e do planeta”. O professor destacou que as consequências dessa lógica recaem desproporcionalmente sobre os mais vulnerabilizados: migrantes, povos originários, indígenas, mulheres e pessoas racializadas.

Em tom crítico, Hellmann denunciou o enfraquecimento do sistema das Nações Unidas e do direito humanitário internacional. O sistema de direitos humanos da ONU, segundo ele, enfrenta escassez de recursos, déficit de pessoal e crise financeira, com falta de financiamento inclusive para a bioética na UNESCO. O professor mencionou o genocídio do povo palestino e o massacre no Sudão como exemplos evidentes da falta de mecanismos eficazes de responsabilização internacional.

A América Latina foi o foco central da reflexão do docente. Hellmann denunciou o que chamou de “capitalismo canibal que devora vidas, que destrói o meio ambiente e aprofunda a injustiça”. Ele destacou que a região concentra mais de 80% das mortes e desaparecimentos dos defensores ambientais e dos direitos territoriais em todo o mundo, classificando esse dado como “um retrato doloroso da violência contra quem protege a vida”.

A data da abertura do congresso coincide com os 10 anos do desastre ambiental de Mariana, em Minas Gerais, a maior tragédia ambiental da história do país. O professor Fernando lembrou que os rejeitos de mineração devastaram mais de 600 km de rios até chegar ao mar e que, até hoje, ninguém foi punido. Pior ainda, acrescentou que no ano passado a justiça absolveu as mineradoras envolvidas, incluindo a Samarco e a Vale.

O professor citou ainda outros exemplos de violações na região, como a contaminação por mercúrio na bacia do rio Atrato, na Colômbia, onde comunidades indígenas e afrodescendentes enfrentam riscos graves à saúde. Também mencionou o Furacão Melissa, que na semana passada atingiu o Caribe com força inédita, deixando mais de 40 mortos e cidades devastadas na Jamaica, Haiti e República Dominicana, caracterizando esses eventos como consequências diretas da inação global frente à crise climática.

A violência urbana também foi tema do discurso. Hellmann denunciou a operação policial no Rio de Janeiro que, na última semana, deixou mais de 120 mortos, incluindo moradores de comunidades e policiais. Para o professor, trata-se de “uma expressão brutal da necropolítica” e da “falência do Estado em proteger a própria população”.

No campo político, o professor criticou o que chamou de “nova doutrina Monroe” na América Latina, mencionando a situação do Haiti, da Venezuela e de Cuba. Sobre este último país, afirmou ser “inadmissível que Cuba, esse país que exporta médicos e solidariedade, seja tratado como nação terrorista, sofrendo embargo injusto que fere a dignidade de todo o povo”.

O pesquisador também alertou para o avanço de tendências autoritárias na região, mencionando a retirada da Nicarágua do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o enfraquecimento da justiça internacional no Peru. Segundo ele, o neoliberalismo transforma direitos sociais conquistados em mercadorias e ataca as normas éticas da saúde pública, negando o direito universal à saúde ao não garantir acesso a medicamentos e vacinas como bens públicos.

Apesar do cenário crítico, o professor enfatizou que a América Latina é também “um continente de resistência e esperança”. Ele homenageou duas personalidades latino-americanas que faleceram em 2025: Pepe Mujica e Papa Francisco, afirmando que ambos “encarnaram na prática com coragem, justiça e humildade os valores da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos”.

O professor conclamou a plateia a não aceitar o mundo como está, afirmando que “as estruturas que exploram e expropriam não são naturais, não são inevitáveis e podem e devem ser transformadas”. A bioética latino-americana, “levanta-se para dizer basta: basta a indiferença, basta a desigualdade, basta a mercantilização da vida, basta a visão tecnocrática da bioética que esvazia sua dimensão política”.

O evento é realizado gratuitamente, com acesso presencial e online, em uma universidade pública, como forma de materializar o compromisso da rede com a “democratização do conhecimento e a amplificação dos discursos bioéticos para toda a sociedade”. Hellmann enfatizou que a bioética “não pode se limitar ao espaço acadêmico institucional, ela precisa envolver toda a sociedade e ser ativa”.

O congresso agrega mais de 70 palestrantes, 40 monitores, 35 pareceristas, mais de 40 moderadores e 342 trabalhos submetidos para apresentação. O evento tem apoio de instituições como CAPES, CNPq, o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC e financiamento do Ministério da Saúde.

Ao encerrar sua fala, Hellmann expressou a esperança de que o congresso seja “um sopro de esperança, um marco na construção e na reafirmação de uma bioética crítica, plural e transformadora que inspire cada um de nós a contribuir para a criação de um futuro mais justo, mais inclusivo, mais solidário e mais sustentável”. Os números do evento, segundo o professor, são “uma prova de que a bioética latino-americana está pulsante e profundamente comprometida com a vida, com a justiça e a dignidade humana”.

Na abertura do congresso estavam presentes o reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, e a vice-reitora, Joana Célia dos Passos. O reitor, acompanhado da presidenta da Redbioética UNESCO para a América Latina e o Caribe, Constanza Ovalle, dos docentes Marta Verdi, Sandra Caponi, Fernando Hellman, e do representante da Presidência da República, Swedenberger do Nascimento Barbosa, falaram ao público participante.

Irineu caracterizou o congresso como “um espaço de encontro para a pluralidade dos saberes sobre a ética e os direitos humanos”, ajudando a construir uma ética prática que reconheça o passado e enfrente desafios presentes e futuros, promovendo os direitos humanos e a sustentabilidade do planeta. Para o gestor da Universidade, o evento reafirma o compromisso de democratizar o conhecimento e ampliar o alcance das discussões bioéticas, de modo a promover “a construção coletiva de alternativas éticas para um futuro mais justo e solidário para a nossa sociedade”.

O reitor destacou o papel da UFSC no cenário nacional e internacional, afirmando que a instituição “é o que está na razão desses eventos, desses acontecimentos, dessa pluralidade de ideias que realmente fazem com que a nossa universidade seja reconhecida como a melhor universidade do estado de Santa Catarina, a quarta melhor universidade do Brasil entre as federais e uma universidade bem destacada na América Latina e no mundo”. 

Irineu ainda lembrou os desafios, ressaltando que, apesar de “todas as dificuldades orçamentárias, é possível realizar eventos e avançar e manter a importância da universidade pública para o nosso país”. Enfatizou que é na universidade pública que se forma os melhores quadros e se produz ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável. Ao encerrar, parabenizou os organizadores, reafirmando a consciência da UFSC sobre sua relevância em debates dessa natureza.

Entre os destaques da programação, no último dia (7), será realizada a Conferência Plenária 4, intitulada “Educação para a Igualdade Racial e Desafios de uma Bioética Antirracista”, ministrada pela vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, que também coordena a Cátedra Antonieta de Barros: Educação para a Igualdade Racial e Combate ao Racismo.

Lançamento da Cátedra Giovanni Berlinguer

No pré-congresso, dia 4, foi oficialmente lançada a Cátedra Giovanni Berlinguer de Bioética e Saúde Coletiva. A iniciativa, aprovada em 2025, resulta da colaboração entre o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva (NUPEBISC), o Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde (NESFHIS), ambos da UFSC, e o Programa de Cátedras e a Rede UNITWIN (University Twinning and Networking Scheme) da UNESCO.

A Cátedra homenageia o médico e bioeticista italiano Giovanni Berlinguer (1924–2015), referência na defesa da saúde pública e na consolidação do sistema público de saúde na Itália. Sua atuação foi decisiva para a Reforma Sanitária Brasileira, que inspirou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), consagrado na Constituição de 1988. O espaço nasce com vocação interdisciplinar, voltado à produção de conhecimento crítico sobre racismo estrutural, desigualdades no acesso à saúde e desafios éticos contemporâneos.

Participaram do lançamento a vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, a presidenta da Redbioética UNESCO para a América Latina e o Caribe, Constanza Ovalle, e os docentes Marta Verdi, Sandra Caponi, Fernando Hellman e Mirelle Finkler.

Durante sua fala, a vice-reitora Joana defendeu articular a produção acadêmica, o ativismo militante e a formulação de políticas públicas para enfrentar desigualdades e violências contemporâneas. Ao parabenizar a criação da Cátedra e sua chancela, destacou que ao desenvolver o trabalho em rede significa não estar sozinho “quando se trata das questões que afligem a humanidade”. Na análise do contexto brasileiro, apontou a intensificação de um Estado armado e de desigualdades fortalecidas pelo modelo capitalista, criticando a recente operação no Rio de Janeiro, que deveria ter sido “uma megaoperação de saúde, de educação, de cultura, de lazer, de arte, mas foi uma megaoperação da morte”, associando o tema à necropolítica.

A vice-reitora afirmou que o papel da universidade avança com “a disposição de unir a academia, a universidade, a ciência, com o ativismo militante e com a formulação da política pública”. Valorizou as diretrizes históricas dos grupos de pesquisa da cátedra, desejou vida longa à iniciativa e reforçou a UFSC como espaço para consolidar redes internacionais e nacionais. Enfatizou a perspectiva latino-americana como fundamento estratégico, pois “mais do que nunca, esse fortalecimento faz a diferença e é fundamental para as tantas lutas”, em um território ainda marcado por heranças coloniais que desabilitam redes de resistência e aprendizagem coletiva.

Em sua fala também destacou princípios que nascem da vida cotidiana e dos territórios, com centralidade da saúde coletiva – área em que o Brasil é “um país pioneiro”. Apontou resultados já concretos, com mais de 200 pessoas formadas em bioética, “um antecedente fundamental” que revela seriedade e “um grupo que tem uma força própria”. Ao encerrar, Joana afirmou que os conflitos também são oportunidades de aprendizagem e disse estar segura de que cada participante tem “um espírito de futuro e esperança”, convidando à fraternidade, ao entendimento coletivo e aos debates do Congresso de Bioética.

Mais informações no site do evento: xcongressoredbioetica.com.br

 

Rosiani Bion de Almeida | Divisão de Imprensa do GR
imprensa.gr@contato.ufsc.br

Fotos: Luz Mariana Blet

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Redbioética Unesco na UFSC: congresso internacional e lançamento de cátedra

27/10/2025 08:00

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sediará a décima edição do Congresso Internacional da Redbioética Unesco, entre os dias 5 e 7 de novembro de 2025, com um evento pré-congresso programado para o dia 4 (terça-feira). O encontro será realizado no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, no campus Trindade, em Florianópolis (SC), em parceria com a Cátedra Giovanni Berlinguer de Bioética e Saúde Coletiva. O evento reunirá pesquisadores, docentes, profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas de mais de 25 países, promovendo debates sobre desafios bioéticos contemporâneos e incentivando reflexões críticas sobre temas de relevância global.

Com entrada gratuita e transmissão online, o congresso reafirma o compromisso com a democratização do conhecimento, ampliando o alcance das discussões para toda a sociedade. A programação celebra os 20 anos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco, um documento fundamental que orienta as reflexões da Redbioética. O evento busca consolidar uma ética prática capaz de enfrentar as crises interconectadas do mundo contemporâneo — como as humanitárias, sociais, ambientais, climáticas, políticas e democráticas —, promovendo os direitos humanos e a sustentabilidade da vida no planeta.

Durante o pré-congresso, no dia 4 de novembro, será lançado oficialmente a Cátedra Giovanni Berlinguer de Bioética e Saúde Coletiva, uma iniciativa aprovada em 2025 e fruto da colaboração entre o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva (NUPEBISC), o Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde (NESFHIS), ambos da UFSC, e o Programa de Cátedras e Rede UNITWIN (University Twinning and Networking Scheme) da Unesco.

A Cátedra homenageia o médico e bioeticista italiano Giovanni Berlinguer (1924–2015), conhecido por sua militância na saúde pública e pela consolidação na Itália do Sistema Público de Saúde. Sua experiência foi essencial para contribuir com a Reforma Sanitária Brasileira, que inspirou o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), consolidado na Constituição Federal de 1988. A cátedra será um espaço de produção interdisciplinar de conhecimento, abordando questões como racismo estrutural, desigualdades no acesso à saúde e desafios éticos contemporâneos.

Reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, estará na abertura do evento

A abertura oficial do congresso ocorrerá no dia 5 de novembro, a partir das 8h30, no Auditório Garapuvu, com a presença do reitor Irineu Manoel de Souza, que destacou a importância de a UFSC sediar um evento dessa dimensão. Para ele, “a realização de um congresso internacional com esta temática na nossa universidade reforça o seu papel como espaço de reflexão crítica sobre os grandes desafios globais e de promoção de diálogos interdisciplinares e interculturais”. O reitor também enfatizou que, como instituição pública comprometida com ciência e educação, a UFSC tem a responsabilidade de fomentar discussões que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável.

Vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, ministrará conferência

Entre os destaques da programação, no dia 7 de novembro, das 9h30 às 10h30, será realizada a Conferência Plenária 4, intitulada “Educação para a Igualdade Racial e Desafios de uma Bioética Antirracista”, ministrada pela vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, com moderação do advogado e procurador argentino Ignacio Maglio. Segundo a professora Joana, “uma bioética antirracista se faz necessária para reconhecer e combater o racismo como um determinante social na produção das iniquidades no mundo, além de questionar as estruturas de poder que criam e perpetuam as desigualdades raciais”. Como coordenadora da Cátedra Antonieta de Barros: Educação para a Igualdade Racial e Combate ao Racismo, Joana lidera iniciativas voltadas à promoção da equidade racial e ao enfrentamento do racismo, o que reforça sua contribuição para o congresso.

O evento contará com a participação de especialistas de países como Brasil, Argentina, Colômbia, México, França, Angola, Panamá, Equador, Jamaica, Guatemala, El Salvador, Uruguai, Paraguai, República Dominicana e Honduras, evidenciando a diversidade de perspectivas e experiências. Os debates abrangerão temas como bioética, saúde coletiva, igualdade racial, justiça social e desafios éticos globais, promovendo um espaço interdisciplinar para discutir questões cruciais aos direitos humanos e à saúde pública. A parceria entre instituições acadêmicas e redes internacionais, como a Redbioética Unesco, reforça o compromisso com o avanço da bioética crítica e emancipatória.

Criada em 2003, com o apoio da UNESCO, a Redbioética para América Latina e Caribe consolidou-se como referência na bioética global, promovendo congressos itinerantes desde 2007. Esses eventos fortalecem redes de cooperação acadêmica e influenciam políticas públicas, ampliando a relevância da bioética nos contextos globais e regionais.

A Cátedra Giovanni Berlinguer assume um papel central nesse cenário, consolidando o diálogo entre ciência, saúde e direitos humanos. Com foco na promoção da equidade, ela busca enfrentar as desigualdades sociais e fortalecer debates que integrem ética, saúde e cidadania, ampliando o impacto das reflexões bioéticas no Brasil e no mundo. Ao homenagear Giovanni Berlinguer, a iniciativa ressalta a importância de uma bioética comprometida com a justiça social e a defesa da saúde como um direito fundamental.

Serviço:

Data: 5 a 7 de novembro de 2025 (pré-congresso no dia 4 de novembro)

Local: Centro de Cultura e Eventos da UFSC, campus Trindade, em Florianópolis

Acesso: Gratuito com transmissão online

Inscrições: www.xcongressoredbioetica.com.br. Para o evento presencial, há vagas limitadas; o online, ilimitadas.

Programação completa: www.xcongressoredbioetica.com.br

Apoio institucional: Gabinete da Reitoria da UFSC, NUPEBISC, NESFHIS, Departamento de Saúde Pública, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PGSP) e Laboratório de Pesquisa sobre Trabalho, Ética, Saúde e Enfermagem (Práxis)

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