Homenagem à professora Mara Lago: ‘uma vereda firme e acolhedora’

10/10/2025 16:55

Uma tarde de memória, afeto e reconhecimento marcou a homenagem póstuma à professora emérita Mara Coelho de Souza Lago, realizada na sexta-feira, 10 de outubro, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Campus Trindade, em Florianópolis. O tributo, integrado às comemorações dos 30 anos do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), reuniu colegas, familiares e estudantes e promoveu o compartilhamento de lembranças e reflexões sobre o legado da educadora, nas palavras da vice-reitora Joana Célia dos Passos, da filha Fernanda Lago e das professoras Miriam Pillar Grossi, Tânia Ramos e Luciana Zucco.

A professora Miriam abriu a homenagem destacando que havia muito a celebrar: “não apenas datas e marcos institucionais, mas uma memória ativa, a que se renova no gesto de transmitir”. Ela enfatizou que compartilhar os ensinamentos de Mara é reconhecer que sua presença se manifestou em múltiplos planos: o acadêmico, rigoroso e criativo; o pessoal, feito de cuidado cotidiano; o afetivo, que sustentou tantas pessoas; e o político, sempre atento ao futuro.

“‘Teoria é prática com paciência’, ela dizia em nossas reuniões, lembrando que o conhecimento ganha sentido quando devolvido às pessoas e aos territórios que o tornaram possível”, recordou Miriam, citando uma das máximas que orientavam o trabalho da homenageada. A professora ainda evocou Paulo Freire para lembrar que, com Mara, aprenderam “a caminhar juntas e juntos, a sustentar dissensos sem abrir mão da escuta, a transformar pesquisa em presença e presença em compromisso”.

Fernanda, filha de Mara, emocionou os presentes ao descrever o momento em que a família compreendeu a dimensão do impacto da professora. “Ainda no hospital, quando resolvemos compartilhar informações sobre o estado dela, entendemos a dimensão do que estava acontecendo: muita gente queria saber, participar, mandar um recado”, relatou. Como filhas, conheciam a professora, a pesquisadora, a militante. “Mas foi ali que percebemos o tamanho do alcance da professora Mara”, disse.

Fernanda destacou que, a cada mensagem recebida, ficava claro que a mãe havia tocado vidas “de modos discretos e profundos, muitas vezes sem alarde”. Citando Clarice Lispector, ela refletiu: “O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós; e a Mara parecia ter esse dom de criar o possível dentro do impossível cotidiano das pessoas”.

Ao encerrar sua participação, Fernanda agradeceu o gesto da homenagem e expressou o desejo de que a memória da professora siga “não como um retrato na parede, mas como prática viva — aquela que nos pega pela mão, mesmo quando a mão já não está”.

Rigor intelectual, generosidade e elegância

A professora Luciana Zucco, que conheceu Mara em 2015, definiu o encontro como “curto quando medido em anos, mas longo quando medido em encontros”. O que sempre a impressionou foi “a combinação pouco comum entre rigor intelectual, generosidade e elegância”. Pioneira, Mara abriu caminhos para mulheres de diferentes gerações, “muitas vezes quando ‘não havia estrada’”, conseguindo construir “uma vereda firme e acolhedora”.

Luciana ressaltou a contribuição decisiva da professora para o fortalecimento dos estudos feministas e de gênero na UFSC, no Brasil e além das fronteiras. Na Revista de Estudos Feministas (REF), como editora e coordenadora editorial, Mara praticou o que Audre Lorde chamaria de “cuidado como prática de liberdade”: estimulava novas vozes, valorizava experiências e abria espaço para olhares plurais.

Parceria inseparável e compromisso com o feminismo

A professora Tânia Ramos, parceira inseparável de Mara na edição da REF, emocionou-se ao relembrar a amizade que se confundia com trabalho e militância. “Quem nos conhecia sabia: éramos parceiras, amigas, inseparáveis — ‘Mara e Tânia’, quase um composto, cada uma inteira e, ao mesmo tempo, metade da outra”, declarou.

Tânia compartilhou um texto que recebeu de sua orientanda Mariana Volt, na noite do adeus no Crematório Vaticano: “Tudo o que aprendi sobre amizade, aprendi sentada no banco de trás do carro da Mara”. A estudante contou ter aprendido, naquelas viagens, que ciência se faz com amizade; que é preciso ler as subjetividades; que há sempre bons textos para compartilhar; e que livros seguem sendo grandes presentes.

A professora descreveu o cotidiano da parceria na REF, onde muitas decisões nasciam em cafés de fim de tarde. “Conhecemos quase todos os cafés de Florianópolis”, contou, mencionando o Café Jardins, na esquina da Rio Branco, como porto preferido. Quando retornou ao local após a morte de Mara, as atendentes perguntaram pela companheira, e uma delas chorou ao saber da notícia.

Tânia destacou que, em todos os editoriais, fazia-se visível o desejo de Mara de que as editoras se colocassem “como feministas posicionadas frente às desigualdades, deixando transparecer, além da perspectiva acadêmica, a nossa humanidade”. A professora lembrou ainda das manifestações de rua que frequentavam juntas e da convicção de Mara: “Não é o mar que me encanta, Tânia, são as árvores”.

Intelectual engajada e feminista em movimento

A vice-reitora Joana Célia dos Passos trouxe a imagem de Mara nas ruas — nas manifestações em defesa da democracia, no movimento “Ele Não”, na luta pela universidade pública, na Marcha Mundial das Mulheres. “Como ensinou Angela Davis, quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se desloca; com a Mara, quando a feminista se movia, a universidade também precisava se mover”, afirmou.

A vice-reitora ressaltou que Mara não admitia separação entre o trabalho intelectual e a política do cotidiano. “Ela nos formou feministas porque praticava o afeto como princípio pedagógico, transformando orientação em diálogo e cuidado, e cuidado em compromisso”, disse, lembrando que a homenageada perguntava sempre “para quem” e “com quem” produzimos conhecimento.

Um legado para gerações

Professora emérita desde 2011, Mara Lago construiu uma trajetória decisiva para a universidade e para os estudos de gênero no país. Ingressou na UFSC em 1969, foi uma das fundadoras do curso de Psicologia e pioneira na criação do Serviço de Atenção Psicológica (Sapsi) e do Laboratório de Psicologia Experimental. Liderou a implantação do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, do qual foi a primeira coordenadora, e colaborou na criação do PPGICH, do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) e da Revista de Estudos Feministas (REF).

Mesmo após a aposentadoria compulsória, em 2010, seguiu como docente e pesquisadora voluntária, mantendo presença ativa em atividades acadêmicas e em mobilizações públicas em defesa das mulheres e da diversidade. Graduada em Pedagogia, mestre em Antropologia Social e doutora em Psicologia da Educação, Mara dedicou sua produção às interfaces entre psicologia, educação, subjetividades, gênero e modos de vida, com reconhecida contribuição interdisciplinar.

Ao longo da carreira, orientou dissertações e teses, participou de mais de uma centena de bancas e publicou cerca de 70 obras entre livros e artigos. Nascida em Caçador (SC) e radicada em Florianópolis desde a infância, tornou-se referência intelectual e humana para gerações de pesquisadoras e pesquisadores, deixando um legado que se sustenta não apenas em marcos institucionais, mas também — e sobretudo — em uma ética do cuidado e em um compromisso com a transformação social.

 

Rosiani Bion de Almeida | Divisão de Imprensa do GR
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Tempo, trajetórias e futuros possíveis: três décadas de construção coletiva nas Humanidades

08/10/2025 12:43

Docentes do PPGICH/UFSC homenageados(as). Fotos: Divulgação

A celebração dos 30 anos do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) teve início nesta terça-feira, 7 de setembro, no Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), com uma cerimônia marcada por homenagens a professores e professoras aposentados(as) que seguem contribuindo para o ensino, a pesquisa e a orientação acadêmica. Na mesa de abertura, participaram o coordenador do programa, Amurabi Pereira Oliveira, e a vice-reitora Joana Célia dos Passos, que representou o Gabinete da Reitoria e integra a equipe do PPGICH, reforçando o vínculo institucional do programa com a gestão universitária.

A programação do primeiro dia, dedicada às “Reflexões Fundantes”, foi aberta no início da tarde com as boas-vindas ao público presente, seguida por uma sessão de homenagens que reconheceu a atuação de docentes voluntários(as) que seguem ligados(as) ao programa. Após breve intervalo, a agenda retomou com a palestra de abertura proferida pelo professor Bernd Reiter, da Texas Tech University (EUA), que abordou perspectivas contemporâneas para as ciências humanas em diálogo internacional. As atividades comemorativas se estendem até o dia 9 de outubro, com painéis e debates que revisitam a trajetória do programa e projetam seus desafios futuros.

A vice-reitora, Joana Célia dos Passos, que integra a equipe do PPGICH, participou da abertura do evento

Ao completar três décadas, o PPGICH celebra uma trajetória marcada pela excelência acadêmica, pela inovação metodológica e pelo compromisso público da universidade, reconhecendo as contribuições de diferentes gerações de docentes, discentes e egressos(as). A comemoração dos 30 anos, ao reunir homenagens, debates e conferências, reafirma o lugar do programa no cenário nacional da pós-graduação e projeta sua atuação diante dos desafios contemporâneos das Ciências Humanas no Brasil e no mundo.

Sobre o Programa

Vinculado diretamente ao CFH, o PPGICH integra o sistema nacional de pós-graduação, sustentado principalmente pelos órgãos de fomento CAPES e CNPq. No âmbito da CAPES, o programa está inscrito como doutorado na Câmara II da Área Interdisciplinar, com avaliação 5 na última rodada, índice que destaca sua consolidação acadêmica. Ao longo de sua história, o PPGICH acumula distinções significativas, incluindo prêmios da CAPES e de entidades científicas nacionais para teses defendidas no âmbito do programa — como o reconhecimento da melhor tese na área interdisciplinar no Brasil em 2013.

O corpo docente do PPGICH é composto por pesquisadores e pesquisadoras doutores(as), permanentes e colaboradores(as), provenientes de uma ampla variedade de campos disciplinares, entre eles Administração, Antropologia, Biologia, Ciência Política, Direito, Educação, Filosofia, Geografia, História, Literatura, Psicologia, Saúde Pública, Serviço Social e Sociologia. Essa diversidade sustenta a vocação interdisciplinar do programa e sua capacidade de articular problemas complexos que atravessam as humanidades e dialogam com outras áreas do conhecimento.

Desde sua criação, em 1995, o PPGICH é um programa de doutorado. Originalmente concebido como Doutorado Interdisciplinar em Sociedade e Meio Ambiente, passou a Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas em 1998, com duas áreas de concentração: Sociedade e Meio Ambiente e Condição Humana na Modernidade. Em 2000, incorporou a área de Estudos de Gênero, ampliando suas frentes de investigação, e, em 2018, agregou a área África e suas Diásporas, reforçando o compromisso com perspectivas decoloniais, com a diversidade e com a produção de conhecimento crítico no Sul Global.

 

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