UFSC e Cátedra Antonieta de Barros promovem debate sobre feminismo interseccional no México
Aprofundando os debates sobre equidade e justiça social, o 4º Encontro do Seminário de Pesquisa das Relações Étnico-Raciais da Cátedra Antonieta de Barros, realizado em 3 de setembro de 2025, contou com uma apresentação de destaque. A palestra intitulada “Encruzilhada de Horizontes e Conhecimentos: caminhos para um movimento feminista mexicano interseccional” foi conduzida por Andreia Sousa da Silva, doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Vinculada ao Programa Abdias Nascimento (Capes/PROPG/UFSC – edital 01/2024), a pesquisadora realizou doutorado-sanduíche na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) entre setembro de 2024 e fevereiro de 2025, sob orientação dos professores Rodrigo de Sales e Angél Afonso Salas.
A Cátedra Antonieta de Barros integra a Cátedra UNESCO Educação para a Igualdade Racial, criada em 2022 em parceria com a UFSC. Coordenada pela professora e vice-reitora Joana Célia dos Passos, a iniciativa busca enfrentar o racismo estrutural no ambiente acadêmico e fortalecer ações afirmativas que promovam igualdade racial e de oportunidades.
No encontro, Andreia destacou que sua trajetória como pesquisadora está profundamente ligada à sua identidade. Mulher negra, mãe, bibliotecária e ativista, ela iniciou sua atuação acadêmica ainda na graduação, no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), e afirma que sua pesquisa reflete tanto suas representações quanto seu compromisso político e social. Andreia adota uma perspectiva decolonial que conecta a prática acadêmica à luta contra desigualdades.
Sua investigação concentra-se no movimento feminista mexicano e no uso da interseccionalidade como chave para promover equidade. Para a pesquisadora, esse conceito é indispensável para compreender que opressões – como racismo, patriarcado e capitalismo – não atuam de forma isolada, mas de maneira sobreposta e interdependente. Embora o termo tenha sido cunhado por Kimberlé Crenshaw no fim dos anos 1980, Andreia lembra que pensadoras negras como Lélia Gonzalez e Audre Lorde já articulavam reflexões semelhantes desde os anos 1960.
Durante sua estadia no México, a doutoranda utilizou uma metodologia qualitativa, combinando revisões bibliográficas com entrevistas semiestruturadas com militantes e pesquisadoras do movimento feminista. Também explorou bibliotecas da UNAM, como a Biblioteca Nacional Mexicana e a Biblioteca Pública Vasconcelos, ambas com acervos dedicados a movimentos sociais, questões de gênero e povos originários. As entrevistas reuniram cinco mulheres – três negras e duas brancas – com atuações diversas como escritoras, musicistas, professoras e ativistas, incluindo representantes do feminismo afro-mexicano.
O estudo revelou o dinamismo do feminismo no país, impulsionado especialmente pela mobilização de jovens desde o levante de 2019 na UNAM, contra casos de assédio e violência de gênero. Sobre a interseccionalidade, Andreia observou que, embora algumas militantes afirmem que o movimento precisa ser interseccional para ser considerado feminista, ainda há desconhecimento sobre o alcance e as potencialidades dessa abordagem.
A pesquisa também avaliou políticas públicas de gênero implementadas nos últimos anos. Medidas como a paridade eleitoral, o sistema nacional de cuidados e programas voltados às mulheres – entre eles a Pensión Mujeres Bienestar e a Beca Universal Rita Cetina Gutiérrez – representam avanços, assim como iniciativas da Cidade do México, que incluem a distribuição de absorventes a estudantes e a flexibilização de faltas durante o período menstrual. Contudo, Andreia aponta limitações significativas: muitas ações não chegam às mulheres mais vulneráveis, especialmente as afro-mexicanas e indígenas das áreas rurais, que enfrentam riscos elevados de violência de gênero, restrições de acesso à justiça e persistentes barreiras institucionais. A falta de orçamento adequado é outro entrave recorrente.
Como proposição, a pesquisadora defende maior investimento em políticas afirmativas e inclusivas, capazes de considerar os múltiplos marcadores sociais que afetam de forma diferenciada a vida das mulheres. Para ela, a interseccionalidade deve ser mais que uma teoria: precisa ser aplicada como prática política concreta, orientando a formulação de políticas públicas que reconheçam diferenças e combatam invisibilizações históricas.
Na avaliação final de Andreia, apenas um compromisso político interseccional poderá impulsionar a construção de uma justiça social efetiva, traduzida em melhorias reais nas condições de vida das mulheres mexicanas. Isso exige, segundo ela, ir além do discurso e assegurar a transformação estrutural que inclua todas, independentemente de classe, etnia ou contexto social.
Assista a apresentação na íntegra:


