UFSC debate relatório da Política de Enfrentamento ao Racismo

10/10/2024 17:54

Seminário apresentou dados do Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC (Fotos: Marisa Isabel/Agecom/UFSC)

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem um déficit de equidade racial no conjunto dos seus servidores que levará muitos anos para ser equacionado, caso não altere as regras dos concursos que realiza. Esta é uma das realidades reveladas pelo Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC, elaborado por um grupo de pesquisadores da Universidade.

Os dados do relatório foram apresentados e subsidiaram os debates do seminário “Ações Afirmativas em Concursos para Negros – o contexto nacional e a UFSC”, realizado no dia 15 de julho na UFSC.

O seminário foi organizado pela assessora institucional do Gabinete da Reitoria, Miriam Hartung, e teve como palestrantes convidados a secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Márcia Lima; o professor e pesquisador do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (PR), Delton Aparecido Felipe; a procuradora do Ministério Público Federal Analucia Hartmann e o procurador-chefe da Procuradoria Federal junto à UFSC, Juliano Scherner Rossi.

O professor do Departamento de Geociências da UFSC Lindberg Nascimento Junior e a professora Lia Vainer Schucman, do Departamento de Psicologia, apresentaram o relatório e participaram dos debates, que foram mediados pela pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade Leslie Sedrez Chaves.

A primeira mesa do seminário foi formada pelo reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, pela vice-reitora Joana Célia dos Passos e pela professora Miriam Hartung, que deram as boas-vindas aos presentes.

Servidores da UFSC, integrantes de movimentos sociais e convidados participaram dos debates

Em seguida, foi formada nova mesa com os palestrantes convidados. O professor Lindberg apresentou o Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC, com comentários da professora Lia. De acordo com o relatório, atualmente 16,4% dos servidores técnico-administrativos da UFSC são autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI). Entre os professores, este percentual é de apenas 9,1%, ainda muito distante do mínimo legal de 20%.

Apesar de vigorar há dez anos, a lei que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos para cargos e empregos no governo federal (Lei 12.990/2014) tem sido pouco efetiva em promover a equidade racial no serviço público. De acordo com dados apresentados pela secretária Márcia Lima, entre 2014 e 2019 o número de servidores negros na esfera federal aumentou apenas 2%.

Na UFSC, a continuar o ritmo atual de contratações, o percentual mínimo de 20% de pessoas negras só será alcançado em 2035 entre os servidores técnico-administrativos em educação (TAEs) e no ano de 2173 entre os docentes.

Há que se considerar ainda que tramita no Congresso Nacional uma lei que eleva para 30% este percentual.

Estudantes
Na parte do relatório dedicada ao perfil racial dos estudantes, os números mostram um aumento gradual da participação de pretos, pardos e indígenas (PPI) no conjunto dos discentes. Atualmente o corpo discente da UFSC é composto por 79,7% de estudantes autodeclarados brancos e amarelos (BA) e 18,5% de autodeclarados PPI. Também melhoraram os índices relacionados a abandono de curso e formaturas de pessoas negras.

Professora Joana Célia dos Passos (E), professor Irineu Manoel de Souza e professora Miriam Hartung

No entanto, ainda persistem situações de desigualdade e desafios a superar. A maior diversidade racial na UFSC, proporcionada em grande parte pelas Políticas de Ações Afirmativas, estagnou nos anos mais recentes. Além disso, o relatório mostra que estudantes brancos e amarelos têm grande predominância no acesso a bolsas e estágios não obrigatórios.

O reitor Irineu Manoel de Souza lembra que a UFSC foi uma das instituições pioneiras na reserva de vagas para estudantes negros, quatro anos antes da lei federal que instituiu esta política de ação afirmativa em nível nacional. E cita que a atual gestão estendeu essa política para a educação básica, com reserva de vagas para ingresso no Colégio de Aplicação e no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI).

“Uma das diretrizes da nossa gestão é o apoio à permanência estudantil, e destinamos prioritariamente recursos do orçamento para isso”, destaca o reitor. Entre outras ações para apoio à permanência, o reitor cita a universalização do Programa de Assistência Estudantil a Indígenas e Quilombolas (PAIQ): agora, todo indígena em condição de vulnerabilidade que ingressa na UFSC tem direito ao benefício.

“O estudo nos mostra que houve avanços na permanência estudantil e na conclusão de curso por parte de estudantes negros”, diz o reitor, reconhecendo que a Universidade ainda pode aperfeiçoar algumas ações. Neste sentido, o professor Irineu destaca a diretriz para garantir prioridade para estudantes indígenas e negros nos editais para contratação de bolsistas pelas unidades administrativas e de ensino da UFSC.

Relatório evidenciou desafios da Universidade na busca da equidade racial

Em relação à disparidade racial entre os servidores, o reitor informa que o relatório traz algumas sugestões de intervenção e que um grupo se dedica a apontar caminhos e mecanismos para atender à legislação e avançar na direção da equidade racial.

A vice-reitora Joana Célia dos Passos chama a atenção sobre o assunto: “É muito importante que a comunidade universitária conheça os dados do racismo institucional que atravessa cada setor da UFSC e que possa se comprometer com a criação de políticas públicas que promovam a equidade na Universidade. O racismo institucional não é algo abstrato. Ele é produzido diariamente pelas pessoas. Eliminar as barreiras que têm sido naturalizadas nas práticas administrativas e acadêmicas é um compromisso da nossa gestão”, afirmou.

Conheça a íntegra do Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC

Veja o vídeo do seminário Ações Afirmativas em Concursos para Negros – o contexto nacional e a UFSC:

 

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Unesco aprova projeto da UFSC para criação da cátedra Antonieta de Barros

23/10/2023 17:27

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou a criação da Cátedra Antonieta de Barros: educação para a igualdade racial e combate ao racismo, proposta por um grupo de professores(as) e pesquisadores(as) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) liderados pela vice-reitora Joana Célia dos Passos. O anúncio da aprovação ocorreu no último dia 15 de outubro, Dia do Professor, data comemorativa instituída por um projeto da própria Antonieta de Barros, primeira deputada negra de Santa Catarina.

A criação de uma cátedra de combate ao racismo e promoção da igualdade racial está prevista na Resolução Normativa nº 175/2022/CUn, que estabelece a política de enfrentamento ao racismo institucional na UFSC. Um dos objetivos da cátedra, elencados no projeto apresentado à Unesco, é justamente o de “analisar o impacto do racismo na universidade e contribuir na formulação e implementação de políticas curriculares multidisciplinares para inclusão da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena na formação de profissionais das diferentes áreas”.

Antonieta de Barros é uma referência na educação e na luta antirracista no Brasil (Foto: Divulgação)

De acordo com a definição apresentada no site da instituição, uma cátedra Unesco é uma equipe liderada por uma instituição de ensino superior ou pesquisa que faz parceria com a Unesco em um projeto para promover o conhecimento e a prática em uma área de prioridade comum. Na UFSC, essa equipe é integrada por professores(as) e pesquisadores(as) de nove programas de pós-graduação (Interdisciplinar em Ciências Humanas, História, Educação, Direito, Física, Saúde Coletiva, Relações Internacionais, Psicologia e Antropologia Social).

Atuação em rede
Uma das ideias centrais de uma cátedra da Unesco é o funcionamento em rede. A cátedra Antonieta de Barros é integrada por diversas universidades brasileiras, instituições estrangeiras, organizações civis e movimentos sociais. Além da UFSC, fazem parte da nova cátedra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

As instituições estrangeiras partipantes são a Universidade de Rovuna e a Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, a Universidade Nacional Autônoma do México, a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e a Universidad Nacional de Tres de Febrero, da Argentina. Representam a sociedade civil a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABPN), a Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), a Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Educação (Anped) e o Núcleo de Estudos Negros, vinculado ao movimento negro de Santa Catarina.

A cátedra Antonieta de Barros é coordenada pela professora Joana Célia dos Passos, vice-reitora da UFSC, e a professora Karine de Souza Silva, do Departamento de Relações Internacionais, é a vice-coordenadora. Os eixos de atuação da cátedra são Ações Afirmativas e Políticas de Igualdade Racial; Educação e Direito às Infâncias; Educação das Relações Étnico-Raciais; Educação e Saúde Antirracista e Desenvolvimento Econômico, Social e Relações Raciais.

De acordo com a professora Joana, o grupo da UFSC pretende atuar em cooperação com as outras instituições participantes para reforço das discussões sobre a temática racial. O nome da cátedra é um reconhecimento do papel de Antonieta de Barros. “Para nós ela é uma referência importante na educação e no enfrentamento das desigualdades raciais”, explica a vice-reitora.

Programa de gestão
A proposta de criação de uma cátedra antirracista liderada pela UFSC vem desde 2017, quando a Universidade acolheu o 3º Congresso de Pesquisadores Negros do Sul do Brasil, presidido pela professora Joana. Ao final do evento, o então reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo manifestou a necessidade de criação de uma cátedra dedicada a esta temática. Uma comissão foi formada à época, mas os trabalhos não evoluíram.

A ideia foi retomada no programa de gestão apresentado pelo professor Irineu e a professora Joana na campanha para escolha da nova Reitoria da UFSC, em 2022. O grupo de pesquisadores(as) interessados(as) se reagrupou e foi instalada uma nova comissão.

No encontro com o Papa Francisco, em setembro, Joana presenteou-o com a biografia de Antonieta de Barros, de Jeruse Romão (Foto: Vaticanmedia/arquivo pessoal)

O projeto foi elaborado durante o ano passado e submetido à Unesco em abril de 2023. No sumário do documento, os proponentes registram os numerosos casos de injúria racial ocorridos em Santa Catarina entre 2018 e 2021 e citam a existência de células neonazistas ativas no Estado, elementos que reforçam a necessidade de mecanismos de enfrentamento ao racismo. “Com o objetivo de combater o racismo em suas múltiplas dimensões e promover através da educação a igualdade racial na sociedade brasileira, é que propomos a criação da Cátedra. Para isso, a UFSC, juntamente com outras instituições e fóruns de representação em educação e pesquisa local, nacional e internacionalmente produzirá conhecimentos e fomentará políticas públicas, estabelecendo diálogo com a sociedade civil na formação de estudantes e outros agentes antirracistas”.

A cátedra Antonieta de Barros reúne especialistas em relações raciais da Universidade, em sua maioria pesquisadoras e pesquisadores negros, com meta de buscar paridade de gênero, além de estudiosos da temática indígena. O caráter multidisciplinar da equipe é apontado como um dos diferenciais desta cátedra.

O programa de cátedras da Unesco existe desde 1992 e atualmente são cerca de 950 cátedras Unesco no mundo, das quais 33 foram propostas por instituições brasileiras. Além da cátedra recém-aprovada, a UFSC já integra a Cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (UCLPM).

 

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